Coluninha | Por Luciana Mendina.
Bernardo se desenvolvia como um bebê normal até um ano de idade. Quando fez um ano, ele começou a regredir. Apesar de caminhar, seu desenvolvimento foi atingido. Deixou de balbuciar as palavras que até então tentava falar; ficou mais retraído, quase não sorria. O que estava acontecendo com ele?
Quando brincava com os carrinhos, fixava seu olhar nas rodas e apenas elas lhe interessavam. Não via o brinquedo como um todo; prestava atenção nos detalhes e não no conjunto. O que interessava era girar as rodinhas e não movimentar os carros.
Comecei a observar o seu comportamento e achei um pouco esquisito. Se deixássemos, ele ficava horas assistindo desenhos animados e, em vez de ficar mais calmo com o passar do tempo, os desenhos o agitavam tanto que eu levava quase duas horas para acalmá-lo e fazê-lo dormir. Mas não me preocupei muito. Pensei que era apenas uma fase e que passaria em breve.
O susto veio poucos meses depois quando fui a uma reunião na escola das crianças. Bernardo e Júlia estudavam à tarde no Colégio Anglo-Americano, em Botafogo. Maria Júlia já estava no Maternal II e Bernardo no Maternalzinho, pois tinha apenas um ano e meio.
Sempre que ele entrava no ônibus escolar e se despedia de mim, chorava sem parar, mas eu não via nisso nada de anormal, afinal de contas, ele era bem pequeno e precisava entender as separações, saber que estava tudo bem, que iria para o colégio, mas depois voltaria para sua casa, onde eu estaria esperando por ele. Meu filho sempre foi muito apegado a mim.
O Alerta das Professoras
Em uma das minhas idas ao colégio para buscá-lo, a professora me disse que o seu comportamento não estava satisfatório e que precisávamos conversar. Ali mesmo, ela antecipou um pouco o tema da conversa, informando que ele se isolava na sala, não participava das brincadeiras, evitava os colegas, pegava os lápis, canetas e ficava no fundo da sala, sozinho, sem se aproximar das outras crianças.
A professora também disse que ele não obedecia as outras professoras e que nem parecia ouví-las. Na hora, até achei graça do que ela estava me relatando. Respondi que ele realmente tinha um comportamento forte e era teimoso. Eu não compreendia as implicações que o seu comportamento podia ter a curto prazo e que poderia ser bem mais do que engraçadinho o seu jeito de ser.
Marcamos, então, uma reunião para discutirmos melhor o assunto. Chegou o dia da reunião e conversei com duas professoras e com a coordenadora da Educação Infantil. Elas repetiram o que já havia sido dito antes, mas, desta vez, não achei graça.
À medida que elas falavam, percebi que havia algo errado com o meu filho. As peças começaram, pouco a pouco, a se juntar e a formar um quebra-cabeça. E ele era assustador. A realidade era que o comportamento dele não era apenas excêntrico como eu pensava. Ele não estava bem. Algo tinha de ser feito.
As professoras me pediram que exigisse mais dele, que o fizesse me obedecer, pois se o comportamento dele fosse apenas resultado de eu tratá-lo ainda como bebê, mimando-o demais, seria fácil resolver esta questão. Parecia que, para elas, ele era apenas uma criança mimada. Mas eu sentia que o assunto era mais sério.
Minha primeira e grande frustração ocorreu justamente quando fui para casa e decidi que ele não seria mais mimado por mim. Exigi dele que falasse o que queria comer ou não teria o que queria. Lembro que ele queria comer um Danoninho e que eu estava disposta a deixá-lo passar fome caso não falasse ou não tentasse, pelo menos, falar o nome da comida.
Mas quando notei que ele não conseguia se comunicar e quando ele começou a chorar (não o choro de uma criança mimada, mas um choro triste, sentido, de desespero), meu mundo ruiu. Senti uma impotência sem fim. Percebi como a situação do meu filho era grave. Percebi que tinha algo errado com ele. Era hora de agir…
Acompanhe a história do Bernardo que continua em A suspeita da surdez.
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Luciana Mendina é jornalista e autora do livro “O autismo tem cura?”, publicado pela Editora Langage.