A História de Bernardo (parte 4) – Uma criança normal

mar 16, 2016 | 0 - 3 anos, 10+ anos, 4 - 6 anos, 7 - 10 anos, Comportamento, Criança, Saúde

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Coluninha | Por Luciana Mendina.

(Acompanhe a história de Bernardo desde o início em O que está acontecendo com o meu filho?)

No primeiro ano do tratamento psicanalítico, Bernardo pedia colo insistentemente. Não sei se tinha preguiça de andar ou se simplesmente queria ficar grudado em mim e manter a condição de bebê, que era tão confortável para ele. Mas não era só o meu colo que ele pedia. Aceitava também o colo das empregadas, embora, para mim, o pedido tenha sido mais frequente.

Quando via que eu ia pegá-lo no colo, Dr. Alfredo chamava a minha atenção e dizia para eu não fazê-lo, para eu forçá-lo a caminhar. Era para eu impor limites e, principalmente, para não tratá-lo como um bebê, apesar de ele ter pouco mais de dois anos.

Eu concordava com o médico, escutava atentamente suas orientações, entendia seus argumentos, mas algumas vezes não o obedecia. Até que um dia, ele foi mais incisivo e me fez colocá-lo no chão na hora e obrigá-lo a andar.

Hoje percebo com clareza que, no início do tratamento, eu protegia demais o meu filho. Não estava ainda bem claro, para mim, como tratá-lo – não sabia se deveria protegê-lo ou ser firme com ele. Com o tempo aprendi a ser as duas coisas: firme e protetora.

Foi aí que, depois de uma consulta, perguntei ao Dr. Alfredo como eu deveria tratar o Bernardo. Ele não entendeu a minha pergunta. Eu repeti:

– Gostaria que você me orientasse a respeito de como devo tratar o meu filho, para ajudá-lo ainda mais no tratamento.

Ele disse:

– Escuta, Luciana, o Bernardo já tem dois terapeutas, que somos Eda e eu. Não precisa de mais um. Você tem de ser apenas a mãe dele.

Nunca mais perguntei como deveria tratá-lo; compreendi que deveria seguir a minha intuição e sabedoria maternas; tratá-lo como uma criança normal foi a minha escolha.

Com o tempo, passei a exigir dele o que exigia da Maria Júlia. Compreendi que, enquanto eu não o visse como uma “criança normal”, não poderia desejar que ele se tornasse uma.

Sei como isso é difícil de se fazer. Não raras vezes, diante da doença dos filhos, os pais os tratam como “vítimas, coitadinhos”. Não percebem que, se há uma atitude que pode causar dano ao filho – e de forma permanente -, é ter pena dele.

Ter pena de um filho é aleijá-lo, é não dar chance de que ele vença a doença. Mais do que isso: é não notar os progressos que a criança está fazendo e tratar como doente uma criança em pleno processo de desenvolvimento.

A criança só se sentirá capaz de vencer os obstáculos que surgem na vida – sejam afetivos, mentais ou físicos – se tiver a confiança dos pais. A mensagem que os pais passam a ela, quando sentem pena, é a de que ela não é capaz. O diagnóstico do autismo não precisa ser uma sentença. Há espaço para lutar pela cura.

Portanto, matricular Bernardo em uma escola regular e não em uma escola especializada em autistas foi fundamental nesse processo. Ainda mais depois que visitei uma escola especial em Porto Alegre. Essa escola era bem perto de casa. Poderia levá-lo a pé. Seria até bem prático.

Mas não gostei do que vi. Em primeiro lugar, porque só havia crianças com deficiências mentais, tão excludente quanto só haver crianças sem problemas mentais em um colégio regular. Em segundo, porque eu não via naquelas crianças sinais de cura, e sim de adestramento.

Como eu tratava meu filho como uma “criança normal”, queria que ele fosse incluído socialmente e não excluído ou treinado. Daí a importância que vejo na inclusão social e de como ela pode ser benéfica para a aceitação das diferenças e também das deficiências. Essa troca entre as crianças, com uma incentivando a outra para novos feitos e superações, deve ser incentivada tanto pela sociedade quanto pelo governo.

O mais triste era que o rosto inexpressivo de meu filho, que eu queria tanto que voltasse a ser sorridente, continuava lá, no rosto daquelas crianças. Os automatismos também. Não via aquelas crianças felizes, brincalhonas, curadas.

Via um monte de crianças sendo ensinadas a repetir comportamentos e não a entendê-los. Não ensinavam aquelas crianças a pensar. Elas estavam lá apenas para repetir movimentos, sem entender o significado do que faziam. Aquilo não servia para o meu filho.

No próximo texto, Luciana conta episódios de risco pelos quais seu filho passou por não ter noção dos perigos à sua frente.


Luciana Mendina é jornalista e autora do livro “O autismo tem cura?”, publicado pela Editora Langage.

Luciana Mendina

Jornalista e autora do livro "O autismo tem cura?". *Luciana é escritora e foi convidada pelo Blog Leiturinha para compartilhar sua opinião com as nossas famílias leitoras.

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