Coluninha | Por Luciana Mendina.
Em janeiro de 2006, Bernardo, então com quatro anos, e a irmã, Maria Júlia, com cinco, passaram quinze dias de férias com meu pai em um sítio em Juíz de Fora. Um episódio marcou a viagem. Em uma ida para o centro da cidade, em que estavam no carro Bernardo, Maria Júlia e meu pai, no meio do caminho, com o carro em movimento, Bernardo, inesperadamente, abriu a porta do veículo.
Meu pai parou o carro imediatamente, irritadíssimo. Foi bem duro com Bernardo. Não foi a primeira vez. Meu pai não sabia como agir com o neto. Ele até tentava se controlar, mas o comportamento do Bernardo o incomodava. Não sabia lidar com o autismo. Ele queria que o Bernardo obedecesse a ele como a Maria Júlia fazia. Mas isso não acontecia e ele ficava frustrado.
Outro exemplo de que Bernardo não tinha noção do perigo aconteceu quase dois anos antes em uma visita ao sítio de meu tio José Rubens, em Santo Antônio da Patrulha. Fomos minhas irmãs, primas, Maria Júlia, Bernardo e eu passar o domingo com meu tio, minha tia e seus filhos. Chegamos de manhã cedo, pretendíamos aproveitar o dia em meio à natureza.
O sítio era lindo, tinha um gramado enorme, verdinho, muito bem cuidado e plano, ideal para caminhadas, corridas ou a prática de esportes. Ideal para deixar as crianças soltas, livres.
No meio do terreno havia uma casa rústica de dois andares, toda feita de madeira, com enormes janelões de vidro, parecia até a “casa do Tarzan”. Ela tinha sido planejada e construída pelo meu tio (falecido), que tinha muito bom gosto e talento manual: suas esculturas e pinturas são muito expressivas e, também, muito elogiadas. Além do dom artístico, meu tio era “cachorreiro”, expressão que usamos no Sul para nos referirmos a pessoas que adoram cachorros.
Os cães preferidos dele eram os de guarda e, consequentemente, as raças de grande porte, talvez porque tenha morado mais da metade de sua vida em casas e precisasse se sentir seguro: mas não era só isso. Ele tinha muito jeito com cães. Lembro de ele ter tido um dobberman quando eu era pequena e do quanto minhas irmãs e eu sentíamos medo dele.
O cão da vez era o Guru, um rottweiler enorme de meter medo também, e que ele dizia ser bravíssimo. Pois bem. O animal tinha um porte majestoso, pelo reluzente, parecia o cão da “A Profecia”. O mais prudente era manter distância. E foi o que nós procuramos fazer. Guru só não tinha sido preso no canil ainda por que obedecia aos comandos de meu tio, alerta a todos seus movimentos, e nos aconselhava a não chegarmos muito perto do cachorro. Prova de que era um cão perigoso.
Se ele, que era o dono, não confiava completamente na docilidade de Guru, imagine a gente! Por tudo isso, fiquei o tempo todo de olho no Bernardo. Nessa época, meu filho não parava quieto, estava sempre irrequieto e ansioso. Eu não queria perdê-lo de vista. Mas como dizem, a criança nos “cega”.
Guru brincava com uma bola de tênis na boca. Em fração de segundos, Bernardo foi em sua direção, tirou a bola da sua boca, deu meia-volta e saiu andando, tranquilamente.
Houve um silêncio no ar! Todos, inclusive meu tio, não acreditavam no que estavam vendo. Bernardo não tinha noção do perigo, mas nós sim. Felizmente Guru não atacou Bernardo. Mas tememos muito por isso. Peguei meu filho no colo e o abracei com força; respirei aliviada.
Refazendo-se do choque, meu tio veio em minha direção e disse:
– Ninguém nunca fez isso antes! Nem eu tenho coragem de tirar a bola da boca do Guru! Fiquei com muito medo!
O hábito de lamber metais, de preferência facas, e de brincar com garfos e colheres também era um sinal claro de que Bernardo não tinha noção do perigo. Ainda bem que tivemos a ajuda da minha tia Carmem, que não via nenhum problema em impor limites para meu filho e lhe dizer não.
Gostou? Acompanhe a trajetória completa de Luciana no tratamento do filho em O que está acontecendo com o meu filho?. Boa Leiturinha!
Continua em Principais sintomas do autismo.
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Luciana Mendina é jornalista e autora do livro “O autismo tem cura?”, publicado pela Editora Langage.