Foto de capa: CriaCidade, Projeto Criança Fala. Fotógrafa Sheila Signário
Deve ter alamedas verdes
A cidade dos meus amores
E, quem dera, os moradores
E o prefeito e os varredores
E os pintores e os vendedores
Fossem somente criançasA Cidade Ideal – Os Saltimbancos
A cidade é um pedaço de nossas vidas
A cidade é de quem? Ruas, calçadas, praças, vielas… Muitas vezes, na pressa do dia a dia, no estresse do trânsito ou na tensão constante, nossos trajetos passam quase que despercebidos pelas janelas dos carros e edifícios. A cada dia, nossa relação com os espaços urbanos se torna mais distante e isso impacta não só em nossas vidas, mas também na vida dos nossos pequenos. O sentimento de pertencimento e segurança que outrora levava crianças a brincar nas ruas, de bola, de pega-pega, descalças, até o anoitecer, vem se esvaindo, fazendo com que as famílias se mantenham cada vez mais reclusas dentro de seus portões, muros e condomínios. Para aqueles que viveram uma infância há um tempo atrás – nem precisa ser muito -, restam apenas as lembranças das delícias de correr e brincar na rua com os amigos até que a mãe viesse chamar para entrar porque estava na hora do jantar. A realidade é que, hoje, em grande parte das cidades, a rua se tornou sinônimo de trânsito, perigo, estresse e medo. Mas, o que podemos esperar de cidades que não são amigáveis e acolhedoras às nossas crianças?
A cidade das crianças: espaços construídos para a criança e com a criança
Se você abaixar na altura das crianças, você percebe que nada foi pensado para elas. Ela não alcança a lixeira ou as placas e os buracos das ruas têm uma proporção enorme, assim como os carros e os prédios. (Nayana Brettas)
As cidades não deveriam, mas são projetadas por e para adultos e isso exclui uma parcela importantíssima da sociedade: os pequenos e pequenas. Cynthia Spaggiari, coordenadora da Equipe de Curadoria da Leiturinha e arquiteta por formação, criou, em seu trabalho de conclusão de curso, uma interferência urbana com espaços lúdicos de atuação no centro da cidade. Para ela, “as cidades contemporâneas são hostis, construídas para atender ao interesse econômico e não, ao bem estar social, desenhadas e pensadas principalmente para resolver o fluxo dos veículos.”. De que forma isso pode afetar a vida e o desenvolvimento de nossas crianças? A relação cada vez mais distante entre nós e os espaços em que estamos inseridos, compromete nosso sentimento de pertencimento e isso, por sua vez, afeta a forma como nos relacionamos não só com a cidade, mas também com as outras pessoas a nossa volta. “A partir do momento que nos apropriamos dos espaços, nos sentimos pertencente a ele e consequentemente, cuidamos dele, como se fosse a nossa casa. É assim que deveria ser. Para tirarmos essa ideia de que a cidade é só o lugar por onde passamos, nós precisamos de fato estar nela e viver nela”, afirma Nayana Brettas, mestre em Sociologia da Infância e fundadora dos projetos CriaCidade e ImaginaC, que objetivam transformar os espaços públicos através do olhar das crianças.
Sobre a importância do sentimento de pertencimento na infância, Cynthia afirma: “criança adquire, brincando e no convívio social, as informações sensório motoras que possibilitam a percepção espacial. É no brincar que se estabelece a relação com o mundo e as possibilidades de ação de independência sobre ele.”.
Uma cidade ideal deve levar em consideração os desejos, as subjetividades e as necessidades de todos os grupos sociais. Qual o desejo das crianças em relação à cidade? Essa é uma boa questão para se levantar com os pequenos. Imagine uma cidade projetada por crianças! É preciso novas condições urbanas e espaços permeáveis que propiciem livre acesso para jogos, brincadeiras, encontros com outras crianças e oportunidade de observação do mundo dos adultos. (Cynthia Spaggiari)
Um mundo melhor através do olhar dos pequenos
“Nossa, olha esse prédio, parece um monstro”, foi o que Nayana Brettas ouviu de uma das crianças durante um cortejo de maracatu realizado no Glicério, bairro de São Paulo. O cortejo foi uma das muitas ações que aconteceram no bairro entre 2014 e 2016, tempo em que Nayana desenvolveu um projeto que tinha como objetivo principal reconstruir, redescobrir e ocupar os espaços do bairro através do olhar das crianças.
Nascida em uma família muito ligada à arte e à criação, Nayana cresceu em São Paulo, o que a fez, desde muito cedo, refletir sobre como a urbanização afeta a vida das pessoas, “para mim sempre foi algo agressivo morar em uma cidade tão cinzenta e agressiva para se locomover, com as pessoas andando com aquela pressa, os carros não respeitando, com a falta de natureza…”, conta. Essa inquietação a levou a se dedicar a estudos e trabalhos que buscam formas de tornar os espaços urbanos lugares mais acolhedores e amigáveis às crianças e à sociedade como um todo. Entre trabalhos voluntários, projetos, iniciativas, vivências e pesquisas, lá se vão mais de 15 anos dedicados a repensar e transformar os espaços através do olhar e da voz das crianças.
As crianças trazem a importância dos espaços de socialização e esses espaços têm que ser convidativos, com bancos e flores. As cores e a arte trazem essa possibilidade. Pensar no processo de urbanização com as crianças, com certeza é pensar em uma cidade muito mais saudável e acolhedora. (Nayana Brettas)
“Quando as pessoas colocam a mão na massa, elas valorizam, cuidam e se sentem pertencentes.”. Foi essa ideia que foi parar lá no Glicério, bairro marcado por violência, degradação e descaso do poder público, na cidade de São Paulo. Lá, Nayana desenvolveu o projeto CriaCidade – Criança Fala, promovendo diversas ações com o objetivo de ressignificar a relação entre as pessoas e os espaços públicos que as cercam. Praças, muros, fachadas, postes e ruas foram ocupados e coloridos com as ideias e a ajuda das crianças, reconfigurando não só a relação dos moradores com o bairro, mas a relação entre vizinhos, familiares, estudantes e professores. Agora, Nayana se prepara para embarcar em um novo projeto, o ImaginaC que será lançado no Dia das Crianças e vem para criar um programa lúdico com um conjunto de ferramentas para que as pessoas possam realizar a ocupação dos espaços, transformando as cidades com as crianças. Nayana conta que a ideia é “oferecer todo esse conhecimento e experiência para que as pessoas possam se apropriar disso e, junto com as crianças, transformar e construir um mundo melhor.” (mais informações estarão disponíveis no site, a partir de 12/10).
Precisamos nos conectar com nossa criança interior e resgatar o que nunca devíamos ter perdido: a nossa possibilidade de sonhar, de imaginar, de criar, de sermos generosos e solidários. Essa potência está dentro de todo mundo, mesmo porque todos nós somos crianças e vivíamos lindamente isso nessa fase da nossa vida, mas a gente se esqueceu. Precisamos voltar a ativar essa caixinha que está dentro da gente, para transformar, de fato, e construir um mundo melhor com as crianças. Mas, antes, precisamos estar conectados com elas. Se andamos pelas ruas e não convivemos com as crianças, tem alguma coisa muito séria acontecendo. Que a gente possa encher os pulmões da cidade de alegria, de sonho, de arte, de crianças! (Nayana Brettas)
Dica Leiturinha:
Aproveitando o tema e sabendo que a literatura é sempre uma ótima forma de introduzir e abordar novos assuntos com os pequenos, a Equipe de Curadoria da Leiturinha indicou leituras que retratam a relação das crianças com as cidades. Confira:
Olívio e o Pingo
Editora: Duna Dueto
Autora: Claire Freedman e Kate Hindley
Esta é a história de Olívio, um menino que acabou de se mudar para a cidade grande e se sentia sozinho. Um dia de chuva, em um passeio para explorar a cidade, Olívio encontra Pingo, um cãozinho perdido. Eles passam ótimos momentos juntos, e, então Olívio tem que tomar uma difícil, porém necessária, decisão: encontrar a verdadeira dona de Pingo. É uma delicada história sobre amizade e ética, e também de bons encontros e surpresas que a vida nos traz.
A Cidade dos Sapos: Uma cidade sustentável
Editora: Best Book
Autora: Ana Suzuki
Este é um livro bem divertido em que as crianças da história são transformadas em sapinhos e conhecem a cidade dos sapos, aprendendo lá o que é cidadania, ética e respeito à vida!
O Rato do Campo e o Rato da Cidade
Esta é uma antiga fábula atribuída a Esopo. Com diversas publicações atualizadas e adaptadas durante o tempo, ela conta a diferença entre viver no campo e viver na cidade.
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