(Acompanhe a história de Bernardo desde o início em O que está acontecendo com o meu filho?)
Depois de recebermos o diagnóstico de autismo do Bernardo, levamos apenas quinze dias para nos mudarmos do Rio de Janeiro para Porto Alegre. O que foi decisivo para a minha escolha – um divisor de águas – e me convenceu sobre a necessidade da mudança foi a consulta à Dra. Denise Morsch, psicanalista indicada pelo Dr. Alfredo Jerusalinsky.
Ela nos atendeu em seu consultório em Botafogo e enfatizou que o Dr. Alfredo era um dos melhores psicanalistas do Brasil e especialista em autismo, além de o Rio Grande do Sul ser um excelente lugar para a realização do tratamento por suas facilidades de locomoção, preço, distância, etc.
Seus argumentos foram confirmados pelo pai de um autista de cinco anos que me procurou para trocarmos ideias sobre tratamentos e diagnósticos. Ele afirmava ter perdido alguns anos na dúvida sobre qual seria a melhor opção de tratamento para seu filho. Disse ter pesquisado muito sobre o assunto e que, segundo informações recentes, o melhor tratamento para o autismo era realizado no RS.
Era tudo de que eu precisava saber. Se até então eu tinha alguma dúvida, ela foi dissipada naquele instante. Sempre soube que a decisão estava nas minhas mãos; meu marido sempre me apoiou, e eu iria escolher o que fosse melhor para o Bernardo.
Cabia a mim a decisão de como e onde realizar o tratamento. Se fosse um resfriado, uma doença de fácil tratamento e de cura garantida, poderia fazê-lo em qualquer lugar.
Mas era autismo, doença que até então eu acreditava, pelas poucas informações que tinha, que não tinha cura. Escolhi o melhor profissional e mudamo-nos para Porto Alegre. Deixar o meu marido no Rio, infelizmente, foi inevitável.
Pelo menos foi dessa forma que sempre encarei nossa mudança de vida. Jamais imaginei o que estava por vir. Cada vez mais me convenço de que, seja qual for o caminho que tomemos, um longo caminho ou um pequeno atalho, o nosso destino não poderá ser totalmente controlado por nós. Temos controle sobre poucas coisas que nos rodeiam: a vida não nos dá garantias.
Vender o meu piano talvez tenha sido um dos momentos mais difíceis da mudança. Eu vendi tão barato – quanto antes eu fosse para o Rio Grande do Sul, mais rápido começaria o tratamento do Bernardo – que foi praticamente de graça. Mas não apenas isso. O valor material era o de menos.
Era o meu piano. Ele sempre esteve na minha casa, fazia parte da minha infância, era uma lembrança dos meus concertos (participei de três concertos na década de 80). Era o meu companheiro nos momentos de angústia, desabafo, e também nos de felicidade. Não podia levá-lo. Não sabia para onde ia. O mais provável era que eu fosse para um apartamento. Não sabia se haveria espaço.
E é nessa vida sem garantias, cheia de contratempos, que devemos viver. Tomar decisões em pouco tempo nunca foi um problema para mim, mas, até que o resultado se torne claro, não sabemos se elas foram acertadas ou não. É um tiro no escuro. Sei que as perdas que estiveram associadas a essas decisões doeram muito, mas se eu estivesse na mesma situação hoje, não agiria diferente.
A única solução era seguir adiante; ser prática e racional. Os primeiros dias em Porto Alegre foram desanimadores. Senti muita falta do meu marido e das nossas conversas; procurava me convencer de que era uma situação temporária; de que, em pouco tempo, estaríamos todos juntos.
Não tinha um extenso círculo de amizades na cidade. Minhas irmãs estavam sempre ocupadas em seus trabalhos e estudos. Meus parentes moravam longe, e eu estava com duas crianças – uma de três anos e outra de dois – , que precisavam de mim.
A História de Bernardo (parte 4) – Uma criança normal.