Coluninha | Por Roberta Ecleide.
Um adulto chega aflito com uma filmagem: crianças de 4 anos destroem o bolo de aniversário na festa de um colega. A cena é dantesca, demorada, quase vinte minutos. Depois de me mostrar, acreditando que estava prestando um ótimo serviço ao fazê-lo, exclamou horrorizado: “Veja só como estão as crianças de hoje!”.Ficaram-me, de imediato, as seguintes questões: onde estavam os adultos? Quem filmou não interviu? Por quê?
Meu colega adulto não soube responder, situação ainda mais preocupante. Se a festa era de crianças de 4 anos, elas não estavam sozinhas. Na filmagem, era possível ver os adultos sentados, conversando, rindo, mas não se envolvendo com a destruição. Ora, se as crianças estão como estão, há adultos que, de seu lugar de admiração ou horror, tornam-se espectadores passivos e, curiosamente, depois se assustam com o resultado.
A sociedade do espetáculo, tantas vezes denunciada, chega, neste breve relato, a outro exemplo. Vamos assistir, pois é melhor ver de longe, sem implicação, sem responsabilização. Implicar-se e responsabilizar-se, verbos reflexivos que exigem a participação pessoal, não aceitam esquivas nem desculpas vagas – “eu não sabia…”.
De certa maneira, as queixas dos adultos a respeito do comportamento das crianças denotam algum espanto, uma surpresa, como se as ações destas fossem independentes do comando daqueles. São os adultos que educam as crianças. É na interação relacional cotidiana que as personalidades se formam. Não é o videogame, a televisão ou o canal educativo que são os responsáveis por essa formação. E o miudinho de cada dia, como dizia meu pai, de acordo com as características de cada comunidade humana.
Destaco, como exemplo midiático, o documentário Babies, de 2010, dirigido por Thomas Balmès. Quatro crianças criadas em comunidades diferentes, em países diferentes, desde dias antes do parto até começarem a andar. Chama a atenção a disparidade de condições de uma comunidade para a outra e, sem dúvida, encantamo-nos com as descobertas das crianças. Mas, olhando detidamente, o que faz a diferença – e, paradoxalmente, é igual em todos – é a presença e supervisão dos adultos.
Os adultos devem assumir mais seus papéis de condutores, orientadores e supervisores das crianças e dos adolescentes. Não só os seus. Já que não há modelo ideal de educação, e que toda boa educação falha, é preciso ter mais claros os limites e parâmetros do que pode e do que não pode. Colocar limites nas crianças e adolescentes não é simplesmente ficar cerceando, nem sendo chato (embora eu concorde: educar é muito chato) e falar “não” o tempo todo.
Colocar limites é ser claro: sim é sim. Não é não. E estes limites devem ser colocados por alguém presente, implicado e responsável. Há surpresas demais na educação dos pequenos, pois a vida dos humanos é cheia de imprevistos e erros. Mas há surpresas evitáveis. Outras, contornáveis.
Não há modelo educacional. A vida não tem gabarito e nenhum sistema über-humano vai nos conferir e atestar se estamos certos ou não. É preciso fazer o melhor possível e bancar as falhas. Para isso, há que se estar presente. Nesse sentido, sim, um erro evitável: não se terceiriza a educação dos jovens. Acusar a mídia, a internet, o fim dos tempos são estratégias irresponsáveis dos que se sentem fragilizados nesta empreitada. Muitos de nós, adultos, não permitiríamos a destruição do bolo, nem fariam desta cena de destruição um espetáculo. Ainda bem.
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Roberta Ecleide Kelly é psicanalista, doutora em Psicologia Clínica, pós-doutora em Filosofia da Educação, coordenadora do NEPE. Informações do NEPE.