A leitura como gesto de autocuidado sempre esteve presente na minha vida, ainda que de forma silenciosa. Os livros, desde sempre, foram uma companhia para mim. Ainda que eu não soubesse disso e me sentisse muito só, os livros estavam sempre lá, como uma possibilidade de presença. Eles nunca me pediram nada além do meu tempo, eram companhias e só. Bastava que eu apenas os desejasse, os escolhesse e desse alguns passos até a biblioteca de minha cidade ou de minha escola, eles estariam lá, me esperando pacientemente.
E quando eu finalmente ia, eram encontros de muitas horas, com direito a estender essa companhia até minha casa. Ficavam hospedados lá, na estante do meu quarto ou passeando pela casa nas minhas mãos, até que um dia eu tivesse que os devolver à casa de livros de onde vieram. Mas até lá, eram meus. Tinha meu nome na fichinha. Eu os cuidava, enquanto eles cuidavam de mim.
A leitura como gesto de autocuidado: um prazer que viaja pelo tempo
Assim foi e é ainda hoje. A leitura enquanto hábito e prática de cuidado é um dos maiores prazeres que conservo da infância até a minha atual vida adulta. Ainda que a maternidade e o trabalho tomem conta da maior fatia do dia, os meus companheiros nunca foram exigentes comigo. Dou-lhes 15 minutos e já não sou mais a mesma que abriu o livro há minutos atrás.
Se perco o sono, abro um livro. E, se me fizer voltar a dormir, ótimo. Ou, se me despertar ainda mais, melhor ainda! De todo jeito, saio ganhando. São assim, meus amigos livros. Entregam muito, pedem pouco – uma atitude, um pouquinho de atenção e pronto, se entregam a quem se entrega a eles.
Um encontro verdadeiro entre quem lê e o que é lido
A partir daí nada mais está entre livro e leitor. É uma relação bonita e verdadeira. Seja que for que o escreveu (história de ficção ou outro gênero qualquer), o livro, ao ser lido, se torna seu, pessoa leitora, especialmente se faz eco com suas vivências. A partir daí, se “parece que isso foi escrito pra mim”, não parece, foi mesmo. Inclusive, poderia, sim, ter sido escrito por você.
Mas que bom que tem muitas pessoas no mundo que se dedicam tanto e tão profissionalmente no cuidado com as palavras para fazer encaixes geniais e tão significativos que dão conta não só da existência da pessoa que o escreveu, mas se expandem para além dela, conseguindo ecoar tão alto na vida de quem se aventura a fazer sua leitura.
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Ler é um ato de rebeldia (e resistência)
Assim, na contramão do fast food midiático, dos post, vídeos curtos, redes sociais, os livros são guerreiros épicos na grande batalha de nosso tempo – a disputa por atenção. Ler um livro é um ato de rebeldia, nesse sentido. Cada vez que um adulto (ou criança) desiste de ler um livro, uma fada morre.
Como afirmo isso? Uma fada me contou. 🧚
Viu só, o poder dos livros? Tudo o que ganha uma narrativa acende e vive, por mais fantástico que seja, e nós acendemos junto, nossa humanidade se expande em tonalidades diferentes, ganhamos aquela palavrinha difícil e que dá nó na língua: pe-rs-pe-c-tiva.
Claro! Ao ler um conto, por exemplo, nos transportamos do faz-de-conta para realidades muito diferentes da nossa — ou, em alguns casos, muito parecidas, mas ainda assim distintas. Ao fazermos isso, ao deslocarmos nossa vista das linhas, já retornamos diferentes de como entramos.
Assim, aquele problema ou aquela questão que antes nos angustiava, no mínimo, encontrará mais alguém com quem se identificar. E, com sorte, pode nos fazer nunca mais olhar para velhas questões da mesma forma. Além disso, pode acender em você novas ideias e, até mesmo, trazer o desfecho e a compreensão que há tanto tempo você ansiava.
Uma escolha que também é moldada
Há quem diga que são os livros que nos escolhem e não nós a eles, tamanha é a sincronicidade que parece haver entre livro e leitor em alguns casos.
Além disso, é muito interessante retomar a origem da palavra “leitura”. Do Latim, “lectura”, a palavra tem o mesmo significado de “eleição, escolha”.
Por mais desafiador que isso pareça, é sempre preciso fazer uma escolha consciente, uma eleição pela leitura, diante de tantas outras formas de captura de nossa atenção e do nosso tempo.
Benefícios que vão além do conhecimento
Ler pode trazer inúmeros benefícios, além de ampliar o repertório cultural e o vocabulário, são alguns deles:
- Reduz o estresse, proporciona regulação emocional;
- Melhora na qualidade do sono;
- Melhora na habilidade de comunicação, interpretação de texto, contexto, construção de senso crítico;
- Estimula a criatividade, imaginação, habilidade de “ver além”, mas também de se manter no “aqui e agora” trazendo calma e tranquilidade;
- É um alimento fundamental para o desenvolvimento socioemocional e cognitivo;
- Estimula senso de empatia e autoconhecimento de forma geral;
Um convite à reconexão com a leitura
Enxergar a leitura como um gesto de autocuidado próprio é uma escolha. No entanto, não podemos ignorar que essa escolha foi moldada ao longo dos anos. De fato, aquilo que valorizamos — ou deixamos de valorizar — tem relação direta com o que foi estimulado pela família, pela escola, pela mídia e pela cultura de cada tempo e realidade.
Dito isso, ao nos darmos conta desse processo, podemos, cada um à sua maneira, movimentar-se para transformar a realidade atual. Afinal, nem todo adulto teve contato com livros na infância a ponto de fazer da leitura uma prática natural.
Por isso, às vezes é sim muito custoso sustentar uma leitura, ainda que ela seja prazerosa. Entretanto, diante de tantos benefícios que a leitura proporciona — e entendendo-a como um direito — é sempre tempo de tomar de volta para si o que sempre deveria ter estado ali: o hábito de leitura.
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Se ler é chato, talvez seja hora de virar a página
Se, por acaso, “ler é chato” para você, procure revisitar o que te fez pensar dessa forma. Em vez de culpar os outros, a escola ou a família, vale mais a pena entender o contexto em que isso aconteceu. A partir disso, é possível se responsabilizar por mudar o jogo agora, virar a página e fazer novas tentativas com novos conteúdos — assim, pouco a pouco, você pode transformar sua relação com a leitura.
Como incluir a leitura na rotina de maneira prática?
- Escolha o que te dá curiosidade, não o que “parece mais importante”.
- Comece com contos — histórias curtas e envolventes que não pedem tanto tempo.
- Poemas também valem! Leves, profundos e curtos.
- Experimente HQs e adaptações de clássicos ilustrados — também há versões para adultos.
- Peça dicas a quem te conhece bem ou a quem já tem o hábito da leitura.
- Leia para uma criança — esse hábito pode te reconectar com os livros.
- Estabeleça pequenas metas: 5 páginas por dia já é um ótimo começo.
- Leve um livro com você — na bolsa, na mochila, no celular (e-book).
- Use a tecnologia a favor — audiolivros são ótimos aliados no dia a dia.
- Insista e permita-se errar — a leitura certa para você está por aí.
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