Adolescência os desafios da parentalidade digital

Adolescência: os desafios da parentalidade digital

Os temas adolescência e parentalidade digital são complexos e envolvem múltiplas camadas. 

Não pretendo exaurir a questão aqui, mas oferecer algumas reflexões iniciais sobre um cenário que se torna cada vez mais evidente, especialmente após o grande impacto da série Adolescência, produzida por Jack Thorne, Stephen Graham e dirigida por Philip Barantini. 

Ao assistir à série, somos confrontados com questões cruciais que envolvem a formação de identidade de jovens, a pressão das redes sociais e os danos causados pela cultura de ódio online. Com a popularização do digital, o conceito de parentalidade e os desafios enfrentados pelos pais se tornaram mais complexos. O comportamento de nossos filhos, especialmente na adolescência, está sendo fortemente influenciado pelas novas formas de comunicação e pela exposição a um mundo digital cada vez mais tóxico.

No “meu tempo”, nos anos 90, os adolescentes lidavam com suas angústias de forma solitária, buscando respostas nos amigos, nas letras de músicas ou até nos diários. Hoje, a realidade é bem diferente. As telas dominam o tempo livre, e os amigos, que antes se reuniam em casa ou na escola, agora interagem por meio das redes sociais. As conversas que eram face a face, com as inseguranças e dilemas típicos da adolescência, passaram a ser mediadas por algoritmos que amplificam os piores aspectos do comportamento humano.

A nova parentalidade: o desafio de estar presente

As configurações familiares também mudaram ao longo dos anos. O que era comum para nossos pais não se aplica mais no contexto atual, no qual a parentalidade é marcada por uma série de novos desafios. Não se trata apenas de evitar os erros do passado, mas de construir algo novo que considere as realidades do presente. 

O quanto, por exemplo, conseguimos ser afetuosos de maneira genuína e como nos fazemos presentes na vida de nossos filhos, sem distrações?

É natural que os pais queiram proteger seus filhos de influências externas negativas, como o uso precoce de telas e o impacto do conteúdo violento que circula online. Mas o que estamos oferecendo no lugar disso? Se evitamos que nossos filhos acessem certas tecnologias, estamos oferecendo alternativas reais e envolventes para que eles se conectem com o mundo ao seu redor de forma saudável? A verdadeira questão aqui não é apenas a proibição, mas a construção de um espaço onde o diálogo e a presença genuína prevaleçam.

O ódio online e seus reflexos na adolescência

O impacto do ódio online, como ilustrado em Adolescência, está cada vez mais presente no comportamento dos adolescentes. Quando vulneráveis e distantes dos adultos, os jovens encontram nos grupos de ódio, especialmente na “manosfera” (grupos online para meninos e homens), uma forma de dar sentido à sua dor e angústia. A falta de diálogos significativos e a indiferença em casa podem levá-los a buscar respostas fáceis, que frequentemente incluem a ideologia de grupos radicalizados que oferecem uma explicação clara para suas frustrações.

A série mostra como o personagem principal, Jamie Miller, se junta a outros jovens que compartilham de um ódio comum. Sua identificação com esse grupo de meninos que se sentem rejeitados pelas meninas acaba gerando uma escalada de violência emocional e psicológica contra o “inimigo” comum, as meninas. Se mais diálogos acontecessem em casa, será que esse tipo de discurso ainda faria sentido para ele e para tantos outros garotos? E se houvesse um espaço onde ele pudesse expressar suas dores sem ser julgado, como isso poderia mudar seu comportamento?

Responsabilidade e reflexão coletiva

Não se trata de culpar os pais, mas de refletir sobre como podemos, enquanto sociedade, coletivamente nos responsabilizar por criar ambientes mais saudáveis para nossos filhos. Como o Estado poderia se atualizar e criar medidas protetivas nesse sentido? A proibição do uso de celulares nas escolas já é um começo, mas o que mais pode ser fomentado para a construção de uma Educação digital efetiva, de modo que não tenhamos as mesmas preocupações nas décadas seguintes? E o Mercado? As chamadas Big Techs, como se implicam e se responsabilizam pelo impacto social de seus produtos? Se algoritmos podem direcionar conteúdos prejudiciais aos jovens, não deveriam também ser ajustados para promover ambientes mais seguros e saudáveis?

Por fim, ao alcance de cada um, será que estamos de fato ouvindo nossos filhos? Estamos presentes e disponíveis, não apenas fisicamente, mas emocionalmente? O tempo que passamos com eles é de qualidade? E mais: como estamos lidando com a crescente presença das telas em nossas vidas? A relação dos pais com o mundo digital também precisa ser debatida, já que, muitas vezes, o uso excessivo de telas e a falta de limites são um reflexo das dificuldades dos próprios adultos.

Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que a parentalidade hoje está mais isolada. Antigamente, as decisões dos pais eram mais influenciadas pela comunidade, pelos vizinhos e pela convivência social. Hoje, muitas dessas decisões são tomadas de forma mais solitária, muitas vezes mediadas por conselhos e “especialistas” da internet. E esse cenário digital pode dar uma falsa sensação de apoio, quando, na verdade o que mais falta é a troca humana genuína.

Qual o papel da comunidade na educação dos jovens e crianças?

Educar filhos, especialmente adolescentes, não é uma tarefa fácil. E isso não pode ser feito de maneira isolada. A participação de outros adultos, como avós, tios e amigos próximos, é essencial para garantir que a criança ou o adolescente cresça em um ambiente de apoio. Não se trata apenas de restringir o acesso às telas, mas de construir um espaço seguro e saudável onde a criança possa expressar suas angústias e se sentir ouvida, acolhida e amada, onde ela tenha seu valor reconhecido. A proteção digital, como os especialistas frequentemente recomendam, deve ser acompanhada de um cuidado real e afetivo, que envolva diálogo e presença emocional.

O exemplo da série Adolescência nos mostra como a falta de comunicação e o distanciamento emocional podem ter efeitos devastadores. O pai de Jamie só descobre o que seu filho estava passando após uma tragédia, quando é tarde demais. 

A pergunta que fica para os pais é: estamos realmente sabendo o que está acontecendo na vida dos nossos filhos? 

O que eles estão acessando online? Quais são as suas dores e inseguranças? Como podemos nos envolver mais em suas vidas e garantir que eles saibam que estamos presentes e dispostos a ajudá-los?

Mas, enfim, como podemos ajudar?

Em última análise, o grande desafio da parentalidade digital é encontrar um equilíbrio entre proteger nossos filhos e permitir que eles cresçam em um ambiente de confiança, onde o diálogo e a comunicação sejam sempre as principais ferramentas. Não se trata de uma questão de controle absoluto, mas de construir um espaço de respeito e compreensão, onde os filhos possam aprender a lidar com as frustrações, a solidão e as angústias da vida sem recorrer ao ódio online ou a grupos extremistas.

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Devemos ouvir mais, dialogar mais e, principalmente, sermos mais presentes na vida de nossos filhos. E, talvez, o maior desafio seja nos olharmos no espelho e refletirmos se estamos fazendo o suficiente para cuidar de nós mesmos, como pais, para sermos os guias afetivos que nossos filhos tanto precisam.

A educação é uma responsabilidade que vai além da família e deve ser vista como um esforço coletivo, em que todos, adultos e crianças, se envolvem para construir uma sociedade mais solidária, respeitosa e empática. Nesse sentido, buscar diálogos com outros pais, seja através da escola dos filhos ou entre grupos de amigos, pode ser uma boa estratégia. Dessa forma, as ações protetivas podem ser estendidas, coletivizadas, assim como as angústias e dúvidas de como conduzir esse processo. Ouvir mais os nossos filhos, passar mais tempo e dedicar nossa presença na sua educação, falar mais sobre o assunto entre adultos, se conscientizar sobre proteção digital (no nosso mundo cada vez mais pautado por esse universo), talvez sejam as chaves dessa nova parentalidade na busca de maior proteção de nossas crianças e adolescentes. 

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