Sempre penso que esse lance de escrever livros para pré-adolescentes, algo que gosto demais, foi uma coisa que “aconteceu” para mim. Lá no início da carreira, quando imaginava os livros que iria um dia produzir, sempre vinham em mente exemplos de narrativas mais infantis. Mas na hora de colocar a mão na massa, sempre pensava que, na ideia que eu estava trabalhando – que inicialmente achava que era para um texto curto – faltava algo.
Daí, resolvia expandir a trama, colocar mais reviravoltas, e quando me dava conta tinha em mãos uma história para um público com maior fôlego leitor.
Assim, descobri que era o que eu desejava fazer e, de fato, gostei muito desse lugar. Meus primeiros livros infantojuvenis publicados miravam nessa faixa-etária dos nove aos doze anos, os tão temidos pré-adolescentes.
Ué, temidos? Bom, pelo menos foi o que comecei logo a ouvir pelo mercado afora: “Que bom que você faz para eles, Caio! É a fase mais difícil e tem pouca gente que faça!”. De início, estranhei o papo. Mas, com o tempo, fui entendendo o que acontecia – e eu vou tentar, aqui, dividir com você as minhas impressões. Vem comigo?
Livros para pré-adolescentes: livro de verdade é aquele que conecta!
Acho que o primeiro ponto (e indiscutível) é que o leitor do qual estamos falando, cresceu. É, ele não é mais a criança que necessariamente aceita todas as sugestões dos pais, professores ou responsáveis.
Os pré-adolescentes têm seus gostos e vontades próprias e isso, às vezes, deixa os adultos um tanto contrariados. Muitas vezes ouvi, em conversas sobre o assunto, um adulto dizer: “Mas eles têm que ler livros de verdade!”. Ou seja, menosprezando e minimizando a escolha do jovem leitor simplesmente pelo fato de que não é exatamente o que ele esperava.
E aí eu me pergunto: afinal, o que é um livro de verdade? E mais ainda: o que é um livro de verdade para um pré-adolescente? 🤔💭
Imagino que não haja muito mistério nessa resposta. A meu ver, o “tal” livro de verdade para um pré-adolescente é aquele que se conecta com ele. E aí você deve estar pensando: “Ah, Caio, que coisa mais óbvia!”.
Não, não é. Porque o grande lance é o seguinte: o que anda rolando, então, na cabeça dele?
Pois bem, vou dividir meu pensamento em dois pontos. Vamos lá?
Uma fase nem cá, nem lá: nem crianças, nem adolescentes
Bom, o primeiro ponto é aquilo que a gente sabe e repete sempre: estamos falando de uma fase em que não são crianças e nem adolescentes. O momento em que começam a ganhar certa independência e expandir a experiência para além do núcleo familiar. As turmas ganham força e as vivências no mundo sem os pais (como festas e acampamentos, por exemplo) ganham espaço. Além disso, as mudanças corporais (internas e externas) explodem, fazendo com que vivam aquele turbilhão de emoções (o bom-humor que se transforma mau-humor em um milésimo de segundo, sabe?).
Tá bom, Caio, mas e, na prática? Quando estamos falando sobre narrativas para esse público? Como funciona?
Pois então, eu também me fiz essa pergunta e comecei a pesquisar, conversar com os leitores e, é claro, ficar de olho no que liam para entender o que é que, de fato, os conectava.
Ouvindo muitos deles, entendi que continuam muito ligados no universo lúdico da infância, mas já estão doidos de curiosidade para saber o que vem aí na adolescência. Mas essa medida é muito tênue, de fato: curtem muito a aventura fantasiosa, mas não querem viver as “tretas” da fase que está chegando. Isso, por exemplo, explica os sucessos fenomenais de séries como “Capitão Cueca”, que explora ainda muito o caráter imaginativo, e “Diário de um Banana”, que já aborda um recorte mais socioemocional da transição das fases de uma maneira muito bem-humorada.
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Uma geração conectada
Aí tem outro ponto que ouço muito por aí quando falamos sobre livros para pré-adolescentes. “Ah, mas eles só querem saber do celular!”, “Não tem concentração”, “Não gostam de ler textos longos!”.
Ok, é verdade. Mas aí eu me pergunto: nós adultos não sofremos do mesmo problema? Não estamos na frente das telas o tempo todo? Não é muito cruel colocarmos esse peso nas costas deles? Somos iguaizinhos, poxa! Ou não? Ah, não sejamos hipócritas, vai!
O que temos que entender é que essa turma dos pré-adolescentes hoje são 100% (ou mais, se fosse possível) digitais. Nasceram em um mundo totalmente dominado pelas telas e não temos como fugir disso. É claro que, do ponto de vista de desenvolvimento emocional e de saúde, deve-se haver uma supervisão dos responsáveis. Mas quando ouço que as telas são uma concorrência aos livros, me questiono: de quais livros estamos falando?
Penso que, de fato, existem muitas coisas que concorrem dentro do nosso tempo (isso é para todos, não apenas para os jovens, como falei), mas sempre penso que o que a experiência que um jogo oferece, por exemplo, não é a mesma experiência que uma narrativa legal traz. O que devemos pensar é como, ao invés de criarmos uma competição entre essas mídias e plataformas, devemos encontrar eixos de interseção, entendendo, afinal, o que compõe esses jovens com os quais queremos comunicar. Eles são das telas, das cores, do movimento, da vida clipada. São da internet, do streaming, das redes sociais. São muitas informações ao mesmo tempo!
Pode prestar atenção, os livros que os leitores pré-adolescentes buscam espontaneamente são exatamente aqueles que se alinham ao que essa geração está acostumada a viver:
- Novos formatos de texto: apresentam experimentações no formato, na forma de comunicar. A linguagem é mais rápida, curta, dinâmica. As histórias divididas em situações pontuais, quase como esquetes, funcionam demais. Os diários estão aí fazendo o maior sucesso para comprovar, não é?
- Livros com ilustrações coloridas e visual saboroso: você já se perguntou porque, quando o leitor cresce, as ilustrações ou somem ou ficam todas em preto-e-branco? Qual o motivo disso? Nas minhas pesquisas, essa é uma grande reclamação. Por isso que as HQs ou livros que misturam a linguagem dos quadrinhos também ganham força nessa fase.
- As coleções: 11 em cada 10 pré-adolescentes me contam que o que mais gostam são as coleções literárias. Podemos citar vários exemplos (além dos que já falei aqui nessa conversa), como “Diário de Pilar”, “Os Futebolíssimos”, entre tantos outros.
Claro que esse fenômeno não é de hoje (Vide “Os Karas”, do mestre Pedro Bandeira, que há gerações arrebata corações), mas atualmente os leitores também estão ligados em histórias seriadas em diversas plataformas, seja nas Revistas em Quadrinhos, séries de TV ou franquias de cinema.
A criação de um universo faz todo o sentido para eles – afinal, nessa fase mais do que em qualquer outra, se você encontra uma turma legal, vai querer continuar vivendo muitas outras aventuras com ela. É igual a vida real!
Conectando e emocionando os pré-adolescentes
Bom, tudo que trouxe aqui nessa conversa são pontos de uma reflexão que construo todos os dias. Meu desafio como autor e criador de narrativas para esse público é sempre pensar em projetos que, acima de tudo, possam conectar, gerar identificação e emocionar essa galera. Se consigo, sinceramente não sei – mas sigo tentando.
Tenho falado muito isso e é, de fato, uma das coisas que mais acredito: se desejamos que eles leiam (autores, pais, professores ou responsáveis) o primeiro passo é, de fato, abrir a escuta para eles. Deixar que digam o que gostam, o que buscam, o que faz os olhos deles brilharem.
Devemos jogar nosso “adultocentrismo chato” fora e respeitar, cada dia mais, nossos jovens leitores e suas escolhas. A gente pode, sim, apresentar possibilidades, direcionar caminhos por meio de diálogos, mas tenham certeza: eles são capazes, e muito, de escolher (e construir e viver) suas próprias histórias.