A Equipe de Curadoria da Leiturinha teve o prazer de conhecer o autor e ilustrador Gilles Eduar e conversar sobre a prática e a arte da ilustração nos livros infantis e um pouco sobre suas inspirações. Além disso, Gilles nos falou também sobre a obra “As Asas do Crocodilo” relançada pela Editora WMF com uma nova roupagem exclusiva para os pequenos leitores da Leiturinha. Gilles nasceu em São Paulo e é filho de pais franceses. O autor se formou em arquitetura pela USP mas foi na França que iniciou sua carreira de ilustrador. Hoje, ele tem mais de 13 livros de sua autoria, publicados por muitas editoras no Brasil e no mundo.
Confira o bate-papo que tivemos com ele em sua visita à nossa sede:
Conte um pouco para a gente sobre a sua relação com as histórias infantis. Você sempre foi um leitor assíduo? O que os livros infantis representam para você?
Gilles: A minha relação com os livros infantis é um pouco fora do que seria o tido como “comum”. Foi quando eu já tinha mais de 30 anos e tive a sorte de trabalhar em uma livraria infantil no Museu do Louvre, quando morei em Paris. Foi aí que eu realmente descobri este universo. Já na minha infância, eram poucos os livros, mas ainda assim me lembro da minha avó lendo pra gente, e este já era um momento mágico, mesmo tendo acesso apenas aos livros sem imagens. Só o fato de minha avó contar histórias já fazia surgir as imagens na nossa cabeça. O livro infantil evoluiu muito a partir da década de 1990, e isso foi uma coisa muito especial na educação das crianças.
Tendo morado na França e no Brasil, quais diferenças você percebeu em relação aos hábitos de leitura nos dois países?
Gilles: Quando eu cheguei na França, percebi esta relação com a Literatura, por ser uma cultura de leitura mais antiga, e como os adultos lêem mais, os filhos se espelham neste exemplo. Mas vejo que no Brasil a situação mudou muito. Me lembro que quando eu fui embora do Brasil, no começo da década de 1990, praticamente não havia livros para crianças. Quando eu voltei, 10 anos depois, já era um mercado muito interessante. Então, eu acho que esta geração, que começou a ter mais acesso aos livros, está fazendo com que o hábito de leitura mude de uma forma radical. Além disso, a experiência dos pais lerem com os filhos é uma experiência mágica, ela transcende o simples fato de ler, é um momento de intimidade entre pais e filhos, em que estão olhando para a mesma imagem, para a mesma história, focando a mesma coisa.
Isso tem tudo a ver com o que fazemos aqui na Leiturinha. Nós entregamos muito mais que livros, entregamos momentos em família, de leitura compartilhada, de conversas e trocas por meio dos livros, em que os pais poderão relembrar seu tempo de infância junto dos filhos. Hoje, entregamos mais de 180 mil livros mensalmente, por todo o Brasil, para crianças de 0 a 10 anos. Para você, qual o impacto disso na formação de um país mais leitor?
Gilles: Acho que isso é absolutamente fundamental. Ainda que eu não tenha tido uma experiência com os livros ilustrados desde pequeno, justamente porque ainda não havia este tipo de livros no mercado, eu recebia mensalmente uma revista. Este era um momento de muita magia, porque eu estava recebendo, através do correio, uma coisa que era para mim. Então, o fato de as crianças receberem os livros em casa, já proporciona uma outra relação, muito mais íntima, com o livro – aquele livro veio diretamente para você, este livro é seu.
Para você, qual a diferença entre um livro que é escrito e ilustrado pela mesma pessoa, e um livro com mais de uma autoria: ilustrador e autor. Como isso impacta na experiência do leitor?
Gilles: Eu tenho a sorte de fazer os dois, em geral eu mesmo escrevo as histórias que eu ilustro, o que eu acho, no meu ponto de vista, uma grande vantagem, porque o texto joga com a imagem e vice-versa. Eu começo escrevendo o texto e, depois, quando vem a imagem, acabo cortando muito do texto. Esta é uma oportunidade de fazer um texto mais enxuto, conciso e que tenha um verdadeiro diálogo com a ilustração. Quando eu ilustro um livro para outras pessoas eu tento me permitir contar algo através das imagens – não uma história completamente paralela – mas que acrescente algo ao texto escrito.
Para você, qual o papel da ilustração no livro/literatura infantil?
Gilles: A ilustração, no livro infantil, inicialmente tem um apelo – ver um livro bonito, com uma boa ilustração, faz com que a criança olhe para ele, e ainda que não saiba ler o texto, entenderá suas ilustrações. Assim, a qualidade da ilustração é muito importante. Por exemplo, ainda que as ilustrações mais arrojadas possam parecer não ter sido feitas para o público infantil, vale lembrar que as crianças têm muito menos preconceitos e um poder de aceitação e compreensão muito mais amplo que nós, adultos. Assim, por mais que as crianças tenham um entendimento muito literal das imagens, elas também se permitem à ideia de que tudo pode ser tudo. Depois, com o tempo, elas crescem, o raciocínio vai tomando conta e os pequenos passam a, cada vez mais, serem críticos às “incongruências” que possam vir a existir na ilustração. Assim, a ilustração é algo importantíssimo nas primeiras leituras. E quando eu falo em primeiras leituras, digo dos bebês com poucos meses.
Por falar nisso, como você vê a questão da mediação de leitura com crianças pré-leitoras?
Gilles: Quando você lê um livro que você sabe que sua criança talvez ainda não o entenda completamente, o fato de ela estar diante de uma imagem com você lendo, faz com que ela tenha uma experiência de vida e, aos poucos, compreenda uma mensagem dali. Então, os pais não precisam ter medo de ler para uma criança de 1 mês, 2 meses… Não importa a idade, esta relação é muito importante. Não tenha medo que seu filho não entenda – seu filho, provavelmente vai entender coisas que você, pai, não alcança ou não entende, e é essa troca que proporciona que você entenda também como seu filho vê e pensa o mundo. A relação através do livro permite com que os pais descubram muitas coisas sobre filho e que o filho tenha aquele momento de intimidade maravilhoso com os pais – o livro é esta ferramenta fantástica, que vai além da educação, é um momento de troca mesmo.
Dentre todos os elementos que compõem a literatura infantil, você gostaria de destacar algum ponto que acredita ser crucial para a experiência dos pequenos com os livros?
Gilles: A qualidade da obra e do trabalho como um todo, tanto da ilustração quanto do texto. Absolutamente não subestimar a inteligência da criança, não escrever qualquer “bobagenzinha”, porque a criança não é boba, ela sabe quando a história é interessante e sabe quando uma história não interessa. O texto tem que ser inteligente e que, às vezes, mesmo que a criança não entenda tudo, é muito melhor este texto fazer sentido ainda ao longo de semanas, meses, às vezes anos, ela ir entendendo este texto aos poucos e descobrindo esta magia. Histórias muito fáceis são facilmente digeridas e tornam-se, então, descartáveis.
Saiba mais sobre As Asas do Crocodilo, livro do autor Gilles Eduar!