A literatura voltada para a primeira infância tem se consolidado como um artefato no processo do desenvolvimento infantil integral, proporcionando às crianças pequenas, desde os primeiros meses de vida, a oportunidade de viver momentos fascinantes e significativos por meio de narrativas orais, escritas e ilustradas. Esse campo, ainda em expansão no Brasil, tem ganhado destaque com pesquisas na área da literatura e pedagogia, mas também com publicações de livros de qualidade.
Mas o que é esse tipo de literatura? Acompanhe o artigo até o fim e entenda tudo!
O que é a literatura na primeira infância?
A literatura endereçada à primeira infância refere-se aos textos, histórias e livros confeccionados especialmente para bebês e crianças até os três anos. Diferentemente da literatura para crianças mais velhas, que já têm um domínio maior da linguagem verbal e imagética, a literatura para esse período inicial da vida, foca em elementos que dialogam diretamente com as capacidades sensoriais, emocionais, sociais e cognitivas das crianças em seus estágios iniciais de desenvolvimento integral.
Esses livros geralmente são “cartonados”, ou seja, feitos de material resistente e seguro para o manuseio. Eles trazem histórias breves, ilustrações que acompanham a narrativa, além de repetição de padrões e ritmos que os bebês e crianças pequenas gostam muito. O ritmo é fundamental na primeira infância, pois organiza as experiências do cotidiano (acordar, dormir, hora do banho, brincar, presença-ausência etc.) e proporciona a comunicação entre o bebê e as pessoas adultas de referência nesses momentos. Assim, através de interações rítmicas, como vocalizações e gestos, o bebê desenvolve suas capacidades de linguagem e vínculos emocionais.
Nesse sentido, o conteúdo desses livros explorará não apenas a narrativa, mas também a experiência sensorial do bebê e da criança pequena que pode tocar, ouvir e ver, com ludicidade, alimentando o universo simbólico da criança.
Originais Leiturinha para a primeira infância
O livro Original Leiturinha Din Don!, de Sarah Helena e Jéssyka Gomes, e enviado aos leitores de berço do clube um bom exemplo! A clássica parlenda “Janela, janelinha” ganha uma nova interpretação neste livro lúdico, que utiliza a repetição “Janelinha janelinha, porta campainha, din don. Tem alguém em casa?”.
Esta repetição traz previsibilidade e compreensão aos bebês e crianças pequenas. Personagens de contos de fadas são apresentados em suas rotinas cotidianas, refletindo o dia a dia familiar.
Peter Pan, a Pequena Sereia, Chapeuzinho Vermelho, João e Maria acordam, tomam café, brincam e se preparam para dormir, criando uma narrativa que conecta personagens familiares às pessoas adultas, incentivando o diálogo com bebês e crianças sobre outros contos infantis.
O toque especial do livro está nas janelas que se abrem e revelam cada personagem, proporcionando um aprendizado sensorial significativo: o movimento das mãos abrindo as janelas envolve o olhar e propõe uma dinâmica simbólica, estimulando o imaginário da criança pequena ao adivinhar qual será a próxima personagem.
Além disso, o desfecho traz uma surpresa: um espelho escondido na última aba, que convida a criança leitora a se ver como parte da história. Esse elemento ressalta que, embora cada personagem tenha vivências únicas, elas compartilham vivências semelhantes, assim como as pessoas ao nosso redor. Essa proposta amplia o convívio social, propondo a ideia de que, pessoas são diferentes, mas, ao mesmo tempo, vivem ocasiões comuns no cotidiano.
Outro ponto relevante é a sonoridade da leitura. A onomatopeia presente já no título, “din don“, convida à vocalização e à repetição, tanto por parte dos bebês quanto da pessoa que media a leitura. Essa característica é comum em livros voltados para bebês e crianças pequenas, e muitos desses livros não se limitam apenas aos exemplares cartonados.
Materialidade e interatividade dos livros para bebês e crianças pequenas
Livros feitos com material resistente e bordas arredondadas, ou ainda no formato convencional, embora não necessariamente cartonados, também fazem parte da literatura para a primeira infância. Nesse sentido, a sensoriedade se manifesta tanto na vocalização quanto nas interações que a narrativa pode proporcionar, como, por exemplo, o gesto de bater palmas, envolvendo o corpo na leitura.
Outro exemplo que podemos citar é o livro ilustrado “Palmas para o bicho que ele merece” de Lalau e Laurabeatriz (2023), que traz animais da fauna brasileira escondidos, aguardando para serem descobertos e aplaudidos! Assim, a cada virada de página, todas e todos batemos palmas.
As qualidades apresentadas pelo livro, tanto em sua materialidade quanto em sua ludicidade e interatividade, revelam mais do que apenas um objeto literário; elas evidenciam o encontro entre duas pessoas: o bebê ou criança pequena e a pessoa mediadora da leitura. Esse encontro é marcado por uma troca profunda de afetos e saberes, que vai muito além das palavras impressas ou das ilustrações visíveis nas páginas.
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Leitura compartilhada na primeira infância
Uma das características mais notáveis da literatura voltada para a primeira infância é justamente o fato de ela não se limitar ao texto escrito ou à imagem desenhada. O aspecto mais potencializador dessa prática literária reside no ato da leitura compartilhada.
No conceito de “triângulo amoroso” proposto por Yolanda Reyes, o livro, o bebê (ou criança pequena) e a pessoa mediadora da leitura formam uma relação única e interdependente. Cada um dos três elementos desse triângulo desempenha um papel essencial na experiência literária compartilhada. O livro, com suas palavras, imagens e materialidade, atua como o objeto central que organiza a interação, oferecendo possibilidades de descoberta e imaginação. O bebê, por sua vez, é o sujeito em formação, que, ao entrar em contato com a narrativa e com as ilustrações, começa a construir suas primeiras percepções sensoriais e emocionais com a leitura, por isso é tão importante o contato com os livros desde a primeira infância.
A pessoa mediadora, por sua vez, é a ponte que conecta o bebê ao livro, facilitando a interação e enriquecendo a leitura. Ela faz mais do que ler as palavras: envolve a criança, criando o ritmo da leitura, dialogando sobre as imagens e promovendo uma troca de olhares, gestos, tons de voz e afetos.
Literatura para a primeira infância e conexão emocional
O instante de leitura com o bebê e a criança pequena então se configura, acima de tudo, como um “encontro afetivo”, no qual a pessoa adulta, na posição de mediadora, proporciona à criança uma vivência rica de acolhimento e troca de emoções, impressões e até de conhecimentos, por meio do contato com o livro.
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Durante esses momentos em família, a pessoa adulta lê o livro em conjunto com o bebê, tornando a leitura um ato intencional e interacional. Ela conversa sobre as imagens, imita e repete sons, e promove uma ligação humana profunda. O livro também é um meio de aproximação entre a pessoa adulta e a criança, tornando a leitura um ato social. Essa estrutura revela que o processo de leitura na primeira infância é, antes de tudo, um encontro na relação entre comunicação e afeto.
Esses gestos tornam-se fundamentais para o desenvolvimento do bebê e da criança pequena. Estudos nesta área revelam que as oportunidades de leitura compartilhada favorecem não só o aprimoramento da linguagem, como também estimulam a imaginação e, o mais significativo, fortalecem o vínculo emocional entre a pessoa adulta e a criança. Essa ligação afetiva é fundamental, pois é através dela que a leitura passa a ser vista, desde cedo, como uma prática prazerosa, capaz de nutrir a fabulação. Aqui citamos Cecília Meireles, que afirma: A Literatura não é, como tantos supõem, um passatempo. É uma nutrição.
Para concluir, a experiência literária na primeira infância vai além do ato de ler palavras ou observar imagens: ela cria um espaço de afeto, interação e descoberta mútua. A leitura se transforma em um ato emocional e social, estreitando a relação entre o bebê ou criança pequena e a pessoa adulta mediadora, também nutrindo a percepção da criança de que a literatura é fonte do fabular, conhecimento e conexão humana.