Ser mãe é sentir como se tivéssemos que conhecer todo o mar, como se virássemos um constante porto seguro

Quando a neblina baixa

Eu havia prometido que não olharia pra essa foto até que a angústia passasse, que os tempos mudassem, as noites voltassem e o caminho florescesse.

A promessa nasceu com a esperança de que, um dia, o cansaço seria memória. Eu queria olhar pra essa foto e ver que passou, já foi, nem dói mais…

Mas que caminho de novidades escolhemos… E quem disse que seria fácil?

A gente se convence de uma estabilidade impossível. Me convenci das dores que passariam, e passaram, mas vieram outras, e novas, e mais novas… Quando chegava perto de ver a foto, uma onda repentina me afundava.

E eu acredito que ser mãe é isso mesmo, navegar em alto mar. Ter de furar ondas com um cristalzinho na mão que também aprende a remar.

E a gente sente como se tivesse que conhecer todo o mar, como um velho amigo. Como se para passar firmeza pra esse pequeno, virássemos um constante porto de segurança. O problema é que, em alto mar, os braços cansam, o sol queima, os ombros ardem, e onde a gente pousa?

Quando a neblina baixa?

O amanhecer faz adormecer o medo do escuro. As nossas primeiras noites foram em claro. Em pouco tempo, eu tinha tanto medo do escuro quanto ela.

Nos primeiros raios de sol, adormecíamos juntas. Era a hora do descanso, que vinha à passos lentos. O corpo aprende a se satisfazer com pouco. Aprende a se sanar com os primeiros sorrisos, as primeiras brincadeiras… A gente se pega recarregada nos detalhes. Os privilégios da maternidade.

Paramos de buscar fuga, de buscar descanso ao redor, pois logo tudo em volta deixa de ser palpável e parece distante…

Vão os amigos, vão as noites, vão os sonhos, os livros, filmes… E a gente acaba tendo de se confrontar, não tem jeito.

Você se olha no espelho e nota que é mais do que uma olheira, um cabelo sujo e um semblante de desespero.

Você nota que é só alguém que ainda aprende a remar.

Quando a neblina baixa…

Vez ou outra, quando a Helena dorme, quando o silêncio se instala, eu deito a cabeça no peito dela. Me sinto pequena. A gente não tem de ser grande o tempo todo.

Essas cabecinhas tem tanto a nos ensinar… É como se regássemos uma plantinha que um dia dará sombra aos nossos corpos cansados da maré. Engana-se se pensa que somos as árvores que a todo o tempo são exploradas.

Você nota que a semente precisa de ajuda para crescer, mas é ela quem demanda as próprias necessidades.

Eles passam a não depender tanto só de nós, mas quando se trata de referência em aprender a remar, são novamente os nossos braços que ensinam, que contam a história.

Eu decidi ver a foto em uma noite tranquila, quando a casa estava silenciosa e a Helena dormia. Meu momento de estabilidade durou pouco, logo tive de voltar ao posto.

Talvez uma infância de preocupações e dependências, mas dos mais ilustres altos e sôfregos baixos, de toda uma vida.

E em poucas ondas, eles já cresceram.

Ser-mae

Victória Silveira e sua pequena Helena, na foto citada do texto. Imagem arquivo pessoal.

 

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