Amamentação e T21

ago 2, 2023 | Bebê

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Quando se recebe o diagnóstico de trissomia do cromossomo 21 durante a gestação, a primeira coisa prática que muitas mulheres pensam é: será que vou conseguir amamentar esta criança? Obviamente que não podemos aqui responder essa pergunta pela mãe, pois cada criança é diferente, e cada caso é um caso, que envolve um leque muito grande de fatores. Se você está aqui e não é uma mãe atípica (ou acabou de se tornar uma), a primeira coisa que precisa saber é que a Síndrome de Down (como é conhecida a trissomia do cromossomo 21) não é uma doença. Ela é uma condição genética capaz de desencadear uma série de eventos biológicos num indivíduo. Na prática, isso implica em dizer que nunca podemos falar “toda” criança T21 é isso ou aquilo. Isso porque enquanto seres humanos, somos diversos e dentro da nossa diversidade podemos ter/ser/fazer uma infinidade de coisas e outras não. 

Um desses eventos, uma dessas características físicas que aparecem com a Trissomia do cromossomo 21 é a hipotonia. Hipotonia quer dizer, grosso modo, “fraqueza muscular”. Pessoas T21 costumam ter um tônus mais relaxado do que a média das pessoas na primeira infância. A hipotonia afeta não só a musculatura corporal, mas todos os tecidos do corpo, envolvendo órgãos dos mais diversos, podendo apresentar comprometimento da respiração e da sucção.

 

Então quem tem hipotonia não consegue mamar? 

Isso não é verdade. A maioria das crianças que tem hipotonia conseguem mamar no peito. É inclusive recomendado às mães de crianças hipotônicas que insistam o máximo possível na amamentação, pois este é o melhor exercício para fortalecer a musculatura facial destas crianças e evitar problemas odontológicos no futuro, além de ajudar no desenvolvimento da fala. Quando se trata de crianças T21, é importante ficar atento à qualificação do profissional que está acompanhando o bebê no momento do nascimento e da lactação. Muitos profissionais da saúde que não trabalham diretamente com crianças T21 tendem a categorizar a hipotonia do bebê como fator impeditivo à lactação, quando muitas vezes a dificuldade pode estar relacionada a outros fatores. O uso de sonda nasogástrica é um deles. Bebês que apresentam cardiopatias congênitas geralmente são encaminhados a UTI neonatais, onde são alimentados por sonda na maior parte do tempo. Essa ingesta involuntária, faz com que a criança perca o impulso de procurar o peito e sugar. No entanto, com alguma insistência é possível devolver este estímulo para o bebê. 

 

Amamentar não é apenas colocar no peito

É claro que ofertar o peito é a forma ideal de realizar o aleitamento materno.  Além de contribuir para o vínculo afetivo entre mãe e bebê, o leite materno é a melhor fonte de alimento para o recém-nascido – entregando todos os nutrientes que ele precisa para se desenvolver bem e com saúde. Para a mãe, o aleitamento oferece uma maior produção de ocitocina, hormônio responsável pela sensação de prazer e bem-estar, algo muito importante nesta fase de tantas mudanças. Porém muitas vezes as mães atípicas são impedidas de oferecer o peito (seja pela presença de uma cardiopatia severa ou qualquer outro fator fisiológico da criança). Nestes casos, ainda podemos ofertar o leite materno via sonda, copinho, colher ou mamadeira, fazendo com que a criança se beneficie de toda a riqueza deste alimento. O leite materno pode ser ordenhado manualmente, porém é uma prática que requer paciência. Hoje há uma oferta de bombas extratoras de leite muito grande no mercado e de vários modelos, podendo se adaptar às mais diversas necessidades, como tipo de bico, tempo de extração, velocidade, quantidade de leite a ser extraído e outras comodidades – como bombas sem fio que podem ser usadas dentro de sutiãs. É possível ordenhar no trabalho, numa festa, ou qualquer outro lugar.  No entanto, o leite ordenhado precisa seguir algumas medidas para que permaneça seguro até o momento de se ofertar ao bebê.

 

Cuidados com a ordenha do leite

Bancos de leite tem protocolos rigorosíssimos para a extração do leite. Porém se você vai ordenhar para oferecer o leite na sua própria casa, o risco de contaminação diminui muito. Ainda assim, é preciso tomar alguns cuidados:

– Lave as mãos cuidadosamente com água e sabão antes de tocar no material a ser utilizado;

– Passe álcool gel nas mãos após lavar com água e sabão (uma coisa não exclui a outra);

– Utilize uma touca para prender o cabelo e máscara para nariz e boca. Evite conversar ou ter pessoas próximas a você no momento da extração;

–  A bomba deve ser higienizada a cada extração;

– Esterilize as partes não eletrônicas da bomba durante 15min em água fervente no fogão, ou recipiente próprio para esterilização de mamadeiras no micro-ondas conforme informa o fabricante;

– O leite extraído deve ser armazenado ou em recipientes plásticos ou em potes de vidro com tampas plásticas (jamais utilize tampas de metal, como aquelas de compota). Esterilize esse material a cada utilização;

– Isole o recipiente com o leite materno de outros alimentos na geladeira e/ou micro-ondas;

– O leite ordenhado e guardado em geladeira deve ser consumido em 12 horas a uma temperatura de até 5°C;

– Caso você tenha congelado o leite, descongele em geladeira – nunca deixe descongelando na temperatura ambiente;

– O leite descongelado não deve ser congelado novamente;

– O leite descongelado em casa ou armazenado na geladeira deve ser consumido preferencialmente em 24 horas;

– Etiquete os recipientes com leite anotando a data e horário da extração. O leite congelado no freezer em casa deve ser consumido em no máximo 15 dias.

 

E se a criança apresentar alergia?

A APLV, ou alergia à proteína do leite de vaca, é uma reação alérgica diferente da intolerância à lactose. Essa é a primeira coisa que precisamos ter em mente. Crianças T21 tem uma propensão maior de apresentar esse tipo de reação alérgica com relação às crianças típicas. O bebê que apresenta algum sintoma de APLV precisa ficar sem nenhum contato com o leite de vaca. A boa notícia é que a APLV costuma desaparecer com o tempo (procure um médico para saber como reintroduzir o leite na alimentação do seu filho).  

 É sabido que crianças menores de 6 meses não devem ter contato com leite de origem diversa ao materno (ou fórmula, em últimos casos), mas mesmo a proteína do leite presente em alimentos consumidos pela mãe passa pelo leite materno e pode prejudicar o bebê. Ao contrário do álcool, que tem uma janela relativamente curta de presença no sangue e leite maternos, a proteína do leite de origem animal fica no organismo da mãe (e do bebê) por 20 dias. Para oferecer o leite materno para a criança que apresenta APLV, é preciso que a mãe siga uma dieta alimentar rigorosa, eliminando completamente da sua alimentação todo e qualquer produto que contenha leite. Alimentos cujo rótulo apresente nos ingredientes “pode conter leite”, ou “traços de leite”, também devem ser excluídos. Louças e aparatos para cozinhar também devem ser mantidos e higienizados de forma isolada. Por isso, caso o bebê (típico ou atípico) apresente qualquer sintoma como vômito, diarreia, irritação na pele, procure um pediatra imediatamente. É este (ou esta) profissional quem poderá avaliar o seu caso e passar as recomendações necessárias.  Uma tarefa desafiadora, a qual somente a mãe poderá decidir. Mas vale lembrar que a OMS (organização mundial de saúde defende o aleitamento materno exclusivo por no mínimo seis meses de vida, e até os dois anos ou mais de forma complementar após a introdução alimentar. 

 

Por que é importante amamentar já na primeira hora de vida?!

A primeira hora de vida, a chamada Golden Hour (hora dourada) é um dos momentos mais importantes da vida da mãe e do bebê. E não é apenas pelo fato de estarem “se conhecendo”, mas pelo potencial que as condutas nessa hora evocam na saúde global da criança. Estudos apontam que as crianças que são amamentadas na primeira hora de vida, gozam de uma saúde melhor que as demais. De fato, a chance de morte neonatal cai 22% em crianças que mamam na primeira hora de vida. Isso se dá pelo grande poder do leite materno no combate a infecções. O colostro, como é conhecido o primeiro leite saído da mãe, 

É riquíssimo imunizante no combate a doenças como enterocolite necrosante, infecções do trato gastrointestinal e respiratório, alergias, septicemia e meningites entre outras. Por este motivo, ele é chamado de “primeira vacina” da criança. O aleitamento na Golden Hour também evita a hipotermia, devido o fato de o bebê ficar mais tempo em contato com a mãe (que o aquece), além de ajudar o bebê a entender a transição da condição de feto para a de neonato. Para mães atípicas que desejam muito amamentar, é indicado que procurem um pediatra neonatal com abordagem humanizada. A criança T21, mesmo cardiopata, tem a possibilidade de ser amamentada nessa primeira hora de vida, desde que bem acompanhada e orientada por um especialista. Vale lembrar que, ainda mais importante que o leite, é garantir a integridade física do neonato. Por isso, regular as expectativas com relação a amamentação é um fator determinante para que a experiência seja positiva. O stress e ansiedade são fatores que podem influir na produção do leite materno. 

Leia mais 📚:

👉O que é maternidade atípica 

👉 Leite materno: conheça os benefícios que quase nínguem fala

👉10 coisas sobre dificuldade na amamentação

 

Luciana Garcia

Mãe atípica da Maya, madrasta da Bárbara e da Valentina, atriz e jornalista especializada em humanidades, e certificada em neurociências e Disciplina Positiva. Ministra aulas de teatro para jovens T21 na ONG Teia21 e apresenta o podcast Conversas Atípicas em seu canal do YouTube.

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