Há uma notória frase da artista gráfica e renomada autora de livros infantis, Květa Pacovská, que diz: “As imagens de um livro são a primeira galeria de arte que uma criança visita”.
Essa me parece uma maneira interessante de sentirmos o impacto do novo universo que a experiência estética de um livro pode trazer — não só para crianças, mas também para os adultos. Vamos usar a criatividade e aproveitar a ideia sugerida por Pacovská para imaginar a seguinte cena: uma criança entra pela primeira vez em uma galeria de arte fantástica, qual imagem veio à sua mente? Pense que nessa galeria, estão abrigadas obras de diferentes tipos e tamanhos, criadas por artistas de todos os tempos, do passado e do presente.
No entanto, vale lembrar que o mundo real para uma criança pequena é como o mundo da ficção, ou seja, cheio de infinitas possibilidades. Com isso em mente, tente imaginar o estupor e encantamento do nosso personagem adentrando o espaço mágico da galeria. Sabe aquelas reações surpreendentes de entusiasmo ou de mudez atônita, com olhos atentos, que imagens, sons e formas despertam quando lemos um livro com uma criança pequena?
Aquela experiência de leitura compartilhada que fica tão marcada quanto a experiência de ver o mar pela primeira vez e já querer voltar de novo? É assim que podemos imaginar o encantamento pelos livros ilustrados para as infâncias.
Porém, para alcançar essa magia toda, muitos recursos são necessários. Vamos descobrir quais são? 😉
Livros infantis ilustrados: uma galeria de arte fantástica
Os livros infantis ilustrados, principalmente os da primeira infância, têm esse efeito: surpresa, descoberta, abertura de portas e janelas para o novo. A leitura ativa todo um processo de aprender a perceber o mundo e suas conexões, estimulando a criatividade. Isso porque, ao mesmo tempo que os livros trazem muitas histórias dentro da história que é contada, as formas do entrelaçamento e da narrativa treinam a nossa percepção. A partir do estímulo das variadas expressões que encontramos na literatura e nos livros, cada um pode encontrar seus caminhos, suas “portas” e “moradas”.
Quando são utilizadas diversas linguagens visuais para construir narrativas, como acontece nos livros ilustrados, a variedade dos estímulos se amplia. Entrar na literatura pelos livros ilustrados — aqueles livros que, em geral narram por cores, figuras, palavras e formatos diversos — potencializa a experiência fundamental da arte a que faz referência Pacovská. Independentemente se você for artista ou não, a arte é de todos, um jogo e uma prática a ser exercitada desde pequenos: junto com a leitura, um hábito que contribui à emancipação e liberdade dos indivíduos.
Portas conta a história de Hugo, um menino que está aprendendo a lidar com seus sentimentos. Estando chateado com algum acontecimento na escola, Hugo decide fechar a porta de seu quarto e se afastar das outras pessoas de casa. Aos poucos, o menino percebe que fechar a porta foi necessário naquele momento, mas que as portas dos pais e da irmã estarão sempre abertas para que ele seja amparado nas situações difíceis.
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Livros infantis ilustrados não têm prazo de validade!
Um detalhe sobre o personagem da nossa cena inicial: a criança que entra na galeria fantástica da imaginação pode estar acompanhada de um adulto — mas, também, pode ser ela mesma o adulto que descobre e se encanta em qualquer fase da vida. A literatura tem inclusive isso para nos oferecer: sem prazo de validade, apresenta possibilidades de surpresa sempre; nós é que nos encantamos de maneiras diferentes a cada nova rodada.
A leitura é então uma verdadeira experiência de imersão para qualquer idade, algo sempre novo que acontece mesmo no “conta mais uma vez”. Ela é garantia de um contato com as emoções, com as descobertas, com o conhecimento, a renovação do gosto e do desgosto, o encontro com o belo e o estranho, o insólito, o humor, o hilariante, o absurdo, a natureza e todas as coisas que nos tornam mais humanos. Poetas, filósofos e psicólogos que respondam, já que além de artistas, somos de tudo um pouco quando entramos no mundo da literatura dos livros para as infâncias.
O doutor Octávio é especialista em aconselhar seus pacientes e ajudá-los a se livrarem dos espinhos que causam incômodo. Sempre acompanhado pelo fiel Eurico, numa certa cacta-feira, Octávio segue para mais um dia de trabalho, mas sente uma coisa esquisita… Era como se algo estivesse para acontecer, ele só não sabia o quê. Dona Cactarina manda entrar um paciente, depois outro, e Octávio continua com aquela sensação de borboletas no estômago. Depois de resolver muitas situações espinhudas, dos mais variados tipos, parece que o dia terminou. Até que o doutor precisa se deparar com o maior espinho de todos! Ih, onde foi parar Octávio? Você consegue encontrá-lo por aí?
Octavio, “cacto pacato”, a quem todos contam os segredos, têm por profissão resolver os problemas dos outros. Ele também tem um grande segredo, que guarda escondido e só compartilha com Eurico. Esse, por sua vez, não tem segredos: na verdade, “tampouco guarda coisa alguma”. Octavio, o cacto, é verde. Eurico, uma bola preta que parece um carrapato. Ambos, figuras muito simpáticas e com espinhos. O livro começa com a seguinte dedicatória: “Para todo mundo com problemas espinhudos”. A narrativa é rica em referências que a gente vai percebendo aos poucos, como a clássica foto de Freud em um porta retratos. O livro traz como metáfora o trabalho de psicanálise a partir do dia-a-dia de um terapeuta cansado de tanto resolver os problemas espinhudos dos outros.
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Tudo em Octávio se integra, com humor e inteligência: diagramação, cores, imagens e escrita. É possível citar composição das páginas que apresentam jogos de escala e disposições dinâmicas; a harmonia das cores que destaca o verde “cactoso”; a maneira jocosa como os protagonistas espinhosos são desenhados e todos os detalhes que aparecem na medida em que os problemas dos pacientes se apresentam.
Tem também os balões das falas; a “cacta-feira”; a página tipográfica representando a linguagem de jornal noticiando fatos aparentemente típicos de um noticiário, mas que na verdade aludem ao mundo psicanalítico. O ápice dessa sutileza de referências da narrativa revestida de humor, é a imagem realista do tapete persa, com todos os detalhes característicos (como os de uma foto) contrastando com o desenho de invenção do cacto-analista meio planta, meio bicho e meio gente, carregando um bloco de notas, ao lado de uma mesinha onde se apoiam óculos e foto. Esse contraste da imagem resume todo o humor que percorre o projeto gráfico narrativo, provocando a curiosidade do leitor.
Criação é vida!
Por fim, vale dizer que a experiência da arte pela literatura é importante porque, como a gente viu, nos conecta com o mundo de forma vital, pela via da criação. É bom lembrar que, antes da criação artística, nós mesmos somos frutos de algum tipo de criação desde o nascimento, constituídos de corpo, cor, sons, palavras, tudo desenhado de forma única em cada indivíduo. Com o passar do tempo, nossa existência é animada por personagens e histórias que nos moldam, como acontece nos enredos ficcionais. Disso, fazem parte as imagens, que são muitas ao longo da vida: desde o instantâneo das fotos que eventualmente selecionamos e até podemos emoldurar, dos desenhos e dos escritos que guardamos, até aquelas que carregamos na mente e no coração, usando o afeto e a memória. Isso é bem parecido com o que vemos no livro de Octávio, onde tantos personagens compõem a vida do cacto-terapeuta. Afinal, a história é ficcional, mas problemas “espinhudos” sempre aparecem em nossa vida, o tempo todo.
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