Você já ouviu falar da compulsão alimentar infantil? Por vezes, algumas crianças demonstram sinais desse comportamento logo na infância. Dessa forma, cabe aos pais e responsáveis identificar essas situações e, com a ajuda de profissionais, compreender o que pode estar causando o transtorno. Quer saber mais sobre a compulsão alimentar em crianças? Confira abaixo!
O que é a compulsão alimentar infantil?
Transtorno alimentar é todo comportamento anormal observado na relação que o ser humano desenvolve com sua alimentação. Geralmente, a pessoa se alimenta de forma prejudicial, estando sujeita a complicações que podem aparecer a curto, médio e longo prazo.
Segundo o DSM-5, a 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, os transtornos alimentares podem ser caracterizados pelo excesso ou redução drástica do consumo de alimentos. E em ambas as situações existem significativos sentimentos de culpa, tristeza, vazio existencial, medo, ansiedade e distorções acerca da autoimagem, associadas ao temor pelo julgamento alheio e rejeição.
É inegável que os transtornos alimentares causam intenso sofrimento. E quando eles se iniciam na infância trazem uma carga ainda mais expressiva de prejuízos psicológicos. Isso porque muitos fatores podem estar por trás da relação ruim que a criança passa a ter com a comida. Por isso, existe a urgente necessidade de um olhar extremamente cuidadoso, atencioso e empático para a criança com transtorno alimentar: estamos falando de uma faixa etária caraterizada pela vulnerabilidade, e que precisa ser guiada frente às suas escolhas.
Quais são os sinais da compulsão alimentar infantil?
A compulsão alimentar é um dos transtornos mais frequentes na infância. Porém, ainda há uma tendência à desvalorização das necessidades infantis. Ou seja, os sinais que as crianças nos transmitem tendem a ser silenciados ou ignorados. Contudo, quanto mais cedo é feito o diagnóstico, melhores as chances de reversão do quadro e minimização dos prejuízos orgânicos, como ganho de peso excessivo e alterações metabólicas e cardiovasculares, por exemplo.
Nesse sentido, são alguns sinais da compulsão alimentar infantil:
- Se alimentar mais rápido do que outras crianças da mesma idade;
- Mastigar de forma ineficiente (ou seja, engolir os alimentos sem mastigá-los corretamente);
- Realizar refeições sem horários definidos, muitas vezes ao dia e também durante a noite;
- Dificuldade em sentir-se pleno(a) ou saciado(a) ao terminar de comer;
- Sentir-se angustiado(a) ou culpado(a) ao terminar de comer;
- Alimentar-se escondido;
- Ingerir grandes quantidades de alimentos (maior do que o esperado e/ou necessário, de acordo com a idade e o estilo de vida da criança).
É também muito importante ressaltar que, diferente de outras faixas etárias, a criança não costuma ser autônoma frente às suas necessidades e seus desejos. Trocando em miúdos, a inserção social, regional e cultural da criança e sua rotina familiar, o poder aquisitivo de seus cuidadores e a forma como a família lida com a alimentação, contam mais do que simplesmente o desejo compulsivo.
Por fim, é importante destacar que muitas das crianças que desenvolvem uma relação patológica com a comida e passam a se alimentar de forma compulsiva, podem estar desatentas na hora de se alimentar (há, por exemplo, o desvio da atenção da refeição para as telas), demonstrar impaciência para comer ou dificuldade em lidar com o “não” frente a pedidos de certos alimentos, além de ficarem irritadas se deixam de se alimentar por curtos períodos. Ainda, algumas crianças podem fazer combinações alimentares inusitadas, e demonstrar ansiedade e sentimentos de culpa frente a isso.
O que está por trás da compulsão alimentar infantil?
Definidos os conceitos e as características da compulsão alimentar infantil, nos perguntamos: o que faz com que as crianças desenvolvam tal relação com seus hábitos alimentares? O que podemos encontrar por trás de um hábito infantil nocivo, como comer até não aguentar mais?
Talvez, a resposta mais certeira seja: por trás de uma criança compulsiva, existe sempre um vazio e um pedido de ajuda.
Frequentemente, encontramos na mídia e até mesmo na literatura científica uma responsabilização da família, especialmente das mães, frente aos problemas que as crianças apresentam em sua relação com os alimentos. Contudo, vale pontuarmos algumas questões, que geralmente são varridas para debaixo do tapete quando a compulsão alimentar infantil é tratada:
1. Crianças representam uma população vulnerável
Por vezes, as propagandas das gigantes empresas da indústria alimentícia são agressivas. Em muitos casos, por ser um público vulnerável e de fácil persuasão, as crianças são tomadas como parte importante desse mercado consumidor. Por isso, é justamente para elas que a indústria pode voltar seus apelos de consumo. No entanto, o Instituto de Defesa do Consumidor alerta que a publicidade de alimentos direcionada ao público infantil é abusiva, por se valer da imaturidade de julgamento característica dessa faixa etária.
2. A publicidade também gera desejos de consumo nas crianças
Alimentos de baixo valor nutricional e de elevada densidade energética geralmente são as estrelas da indústria. E, claro, geram nas crianças desejos de consumo, a despeito de alimentos saudáveis, como frutas, vegetais e pratos preparados em casa, por exemplo. Quem nunca se viu salivando frente a um anúncio? Contudo, para garantir a venda desses alimentos ultra processados, algumas empresas seguem inovando em “garantias nutricionais” que tais alimentos não possuem. E, infelizmente, eles passam a ser vistos pelos pais e responsáveis como alternativas viáveis e práticas à alimentação infantil.
3. Não existem “alimentos para crianças”
Há algo que deve ser lembrado e reforçado de forma insistente para aqueles que cuidam de crianças, sejam eles familiares, educadores ou mesmo profissionais de saúde: não existem alimentos específicos para crianças. Todos os produtos que estão expostos para venda e que carregam a alegação de que são destinados ao consumo infantil não são alimentos, e sim produtos alimentícios. Geralmente, trata-se de produtos ultra processados e ricos em açúcar.
Sabemos que o acesso aos ultra processados é fácil e barato. É mais corriqueira a aquisição de um pacote de salgadinho no mercadinho da esquina do que de algumas unidades de banana. É mais fácil comprar um refrigerante na rua do que um copo de suco de abacaxi. Somos persuadidos a comprar produtos enfeitados com personagens infantis, mas não vemos o mesmo esforço voltado para o consumo de frutas e legumes. Além disso, o estímulo à cultura do descarte também é assustador.
Mas como os fatores acima contribuem para a compulsão alimentar infantil? Com o poder persuasivo de grandes nomes da indústria e sua publicidade agressiva, o estímulo ao consumo de alimentos não-saudáveis é muito grande. A Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS), abordam com frequência a importância da regulação da publicidade de alimentos e o papel da educação nutricional de base para a formação de hábitos alimentares saudáveis, por exemplo. Contudo, cabe aos governos a responsabilidade de tomar medidas efetivas para a alimentação infantil.
Como ajudar as crianças compulsivas?
Para ajudar as crianças, é preciso compreender quais são os fatores que levam cada uma delas ao comer compulsivo na infância. Nesse sentido, o apoio de um profissional de psicologia e o acompanhamento feito por nutricionistas são fundamentais.
Alguns motivos que podem levar as crianças a desenvolverem a compulsão alimentar infantil são:
Uso da comida como recompensa ou punição
Tratar alimentos como prêmios ou punições para crianças pode ter um efeito devastador nos hábitos alimentares. Considere, por exemplo, que as sobremesas sejam usadas como atrativos para o consumo de legumes e verduras. É mais provável que as crianças prefiram alimentos com alto teor de açúcares e gorduras ao consumo de alimentos saudáveis nas refeições, não é mesmo? Nesse sentido, a recompensa passa a ser ultra valorizada e vista como um objeto de desejo, desencadeando distúrbios de percepção frente à comida.
Insegurança afetiva
Crianças que se sentem seguras com seus pais ou cuidadores têm menor tendência a desenvolver uma relação compensatória com a comida. Isso porque elas lidam melhor com instabilidades emocionais e estresse, por exemplo.
Crenças familiares negativas frente ao peso
Pessoas que se preocupam em demasia com seu peso e o peso de suas crianças, geralmente verbalizam (e ensinam a verbalizar) estereótipos relacionados ao consumo alimentar e sua relação com variações de massa corporal. Porém, o número que vemos na balança não deve ser o único fator norteador de nossas percepções sobre saúde. Além disso, quando nos preocupamos demais com a relação existente entre consumo e gasto de calorias, estamos favorecendo a cultura da chamada “gordofobia”.
Baixa disponibilidade emocional e de tempo para as crianças
Em alguns casos, a sensação de “vazio” acaba sendo suprida pelas crianças com comida. No entanto, essa situação não é resolvida após o consumo alimentar, o que leva a criança a procurar cada vez mais comida para satisfazer suas necessidades de afeto.
A proteção das crianças frente à comportamentos prejudiciais em seus hábitos alimentares é necessária e urgente. Estima-se que em uma década o Brasil pode ter mais de 10 milhões de crianças com compulsão alimentar. Vamos juntos transformar esse cenário?
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