6 poemas de Manoel de Barros para ler com as crianças

mar 15, 2019 | 4 - 6 anos, 7 - 10 anos, Leiturinha, Literatura

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Minha infância passei em uma fazenda no Pantanal. Nesse lugar o tempo era parado. Ou passava devagar que lesma. Às vezes a lesma chegava primeiro que o fim do dia. Eu não era solitário. Tinha três irmãos. A gente fabricava os nossos brinquedos. No lugar só tinha o nosso rancho e animais de sela. O que sufocava não era a falta de espaço. A gente só via as distâncias. A gente inventava brinquedos o tempo todo. Agora eu invento brinquedos com palavras. Um vício que eu trouxe de lá. – Manoel de Barros

Como já falamos aqui no Blog, o poeta cuiabano Manoel de Barros ficou muito conhecido por sua simplicidade, sensibilidade e leveza ao falar sobre coisas da natureza, da infância e sobre a grandeza das pequenezas. Assim, sua escrita imaginativa e simples dialoga muito bem com as crianças, transmitindo as delícias da infância em uma poesia que encanta pequenos e adultos. Assim, selecionamos poemas de Manoel de Barros para você e seu pequeno lerem juntos!

Confira 6 poemas de Manoel de Barros para ler com seu pequeno:

1. Borboletas

Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta seria, com certeza,
um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de
uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.

2. Tratado geral das grandezas do ínfimo

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogio.

3. O fazedor de amanhecer

Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.

4. O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

5. Um bem-te-vi

O leve e macio
raio de sol
se põe no rio.
Faz arrebol…
Da árvore evola
amarelo, do alto
bem-te-vi-cartola
e, de um salto
pousa envergado
no bebedouro
a banhar seu louro
pelo enramado…
De arrepio, na cerca
já se abriu, e seca.

6. Mundo Pequeno I

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco,
os besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa.
Ele me rã.
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

Foto de capa: Ilustração de Kammal João, do livro “Cantigas por um passarinho à toa”, de Manoel de Barros. 

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Ana Clara Oliveira

Jornalista e editora do Blog da Leiturinha, é fascinada por tudo que envolve o mundo da leitura, da educação e da infância. Acredita que as palavras aproximam pessoas, libertam a imaginação e modificam realidades. Gosta de escrever, viajar e aprender sempre.

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