Coluninha | Por Lizandra Magon de Almeida.
A leitura e a literatura sempre tiveram um papel importantíssimo na minha vida, mas só agora descobri que há um terapeuta especializado em usar livros para ajudar as pessoas a superar seus problemas.
Você conhece o biblioterapeuta? Foi na Flip, claro, que conheci a psicóloga Cristiana Seixas, que se especializou no uso da literatura em seu trabalho terapêutico individual e em grupo. Pelo que pesquisei, o biblioterapeuta é um profissional da área de saúde – sua formação pode ser em psicologia, serviço social, educação, arte, biblioteconomia ou medicina – que propõe leituras específicas para uma pessoa tratar ou prevenir problemas físicos ou psicológicos.
Faz todo o sentido: um dos papéis da arte é justamente criar novas referências, abrir horizontes, permitir que as pessoas construam novas pontes e se coloquem no lugar dos personagens. Quem assistiu o filme “Nise – O coração da loucura”, sobre a psiquiatra Nise da Silveira e seu trabalho pioneiro em arte-terapia sabe do que se trata. Então, se as artes plásticas têm esse poder, por que não a literatura?
A partir de sua experiência, em uma de nossas rodas de conversa, Cristiana perguntou às autoras: “Que livro mudou sua vida?”. A autora Aline Abreu, por exemplo, contou que sempre era alvo de brincadeiras por ser “lenta” demais. Até que um dia, ganhou de sua mãe o livro infantil “Lucia Já-vou-indo”, de Maria Heloísa Penteado. É a história de uma lesma que sempre chega atrasada, mas que encontra nos amigos o apoio de que precisa para conseguir viver bem. Para Aline, o livro foi terapêutico: ela entendeu que esse era seu jeito de ser e que não precisava tentar mudar para agradar os outros.
Sinceramente, fiquei feliz de não ter sido eu a responder a pergunta. Porque foram tantos livros que fizeram a diferença na minha vida! Acho que poderia fazer uma lista relacionando lado a lado os momentos mais tristes e os mais felizes com alguns livros e poemas que li na mesma época. Momentos de amor, de solidão, de alegria, de conquista. Momentos em que tudo o que você precisa é saber que há alguém compartilhando sua emoção, ou vendo a vida de um ponto de vista inusitado, que você nunca tinha pensado antes.
Aí você pode se encolher mais um pouquinho na cama e continuar ali esperando a tristeza passar, ou ter um grande momento “Ahá!” e levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. E se tiver ao seu lado um terapeuta que te ouve e te acompanha e sabe exatamente que livro “receitar” a cada momento, melhor ainda!
Pensando bem, tem um livro que realmente foi – e ainda é – muito importante na minha vida. Daqueles que fica na cabeceira, pra você saber que pode contar com ele a qualquer momento. Encontrei um exemplar feinho, desses de bolso, numa das livrarias mais antigas de Buenos Aires em 2006. E carrego comigo o tempo todo. Chama-se “Tratado de culinaria para mujeres tristes”, do escritor colombiano Héctor Abad Faciolince (em português, foi lançado pela Companhia das Letras como “Livro de receitas para mulheres tristes”.
Para mim, que gosto de ler, de cozinhar e que sou uma pessoa muito agitada e impaciente, essa é uma receita que sigo à risca:
Essa tendência a não trair e a não mentir, a ser perfeitamente franca. A esconder-se ou expor-se demais. Esse cuidado de cuidar-se tanto para acabar contando sua história, sua verdade tim-tim por tim-tim, a um desconhecido. Essa vontade de fugir, de sair correndo, quando alguém demonstra que começa a conhecê-la, apesar de não se revelar. Essa vertigem de ficar. Essa sede indomável de alguém e de não estar com esse alguém. De envolver as carícias em palavras. Essa vontade de mudar sem abrir mão de nada. Essa fome de impossíveis. Como pensar em meio a essa confusão contraditória? É verdade e mentira, tudo bem e tudo mal, e não há saída. Nada a fazer. Tome um copo d’água.
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Lizandra Magon de Almeida é jornalista, tradutora de profissão e proprietária da Pólen Livros, que edita livros infantis e voltados a questões do universo feminino.