Um delicado conto tecido nos afluentes da memória.
Tio Flores: Uma História às Margens do Rio São Francisco
Esta frase poética define bem o livro que a Equipe de Curadoria da Leiturinha selecionou para os pequenos leitores mais experientes: Tio Flores: Uma História às Margens do Rio São Francisco. A obra, de Eymard Toledo, publicada pela Editora V&R, conta um pouco sobre as histórias que permeiam as margens do “Velho Chico”, apresentando ricos elementos relacionados à cultura interiorana, das comunidades ribeirinhas e aos impactos ambientais sofridos com a expansão industrial.
O presente e o passado, o campo e a cidade, o idoso e a criança: uma narrativa sensível e profunda
Inspirada em uma viagem pelo interior brasileiro com seus dois filhos, a autora conseguiu abordar de forma leve e sensível temas profundos, como a importância do encontro de gerações, os impactos sociais e ambientais do progresso e a relação entre o campo e a cidade.
A narrativa, que tem como pano de fundo Olho D’Água, uma pequena cidade no interior de Minas Gerais, retrata a mudança dos hábitos e costumes do povo local com a chegada das indústrias e apresenta, com muita clareza e simplicidade, profundas questões ambientais e sociais – tudo isso sem que se perca o valor literário da obra. Para construir e ilustrar este livro, Eymard Toledo usa a técnica da colagem com imagens e gravuras que conseguem transmitir a relação entre o passado e o presente, o campo e a cidade, o idoso e a criança, e o povoado e a fábrica, tudo em tons poéticos e com a sensibilidade que o tema pede.
A voz que nos conduz na narrativa é a de Edinho, uma criança que tem de ficar com seu tio, enquanto os pais trabalham. Assim, todas as tardes, depois da escola, o garoto ouve as tantas histórias que o Tio Flores tem para contar e se delicia com aquelas que começam com “Antigamente”… A trama que perpassa esta narrativa é revestida em afeto e ternura, mas também de duras críticas sobre uma realidade que se passa à revelia, tornando cinza o que antes era colorido.
Um desfecho inspirador: a redescoberta de nossas raízes
As fábricas e indústrias que ocupam a pequenina cidade atraem novos moradores e, com eles, o progresso. Nesse momento, os uniformes ocupam o lugar das chitas e dos ternos, o Velho Chico fica turvo, os peixes somem e o trabalho é dobrado. Assim, Tio Flores, o costureiro mais habilidoso de Olho D’Água, perde sua clientela, que não mais conserta, mas troca seus velhos uniformes por novos. O cenário do campo se transforma, se urbaniza, se asfalta. Mas algo resiste no fundo de uma gaveta esquecida: os tecidos coloridos de outrora, que Edinho encontra sem querer.
O desfecho da história é poético e reconfortante, ainda que toda a realidade permaneça. Tio e sobrinho encontram um modo de colorir e acordar aquela beleza adormecida do povoado, através de cortinas estampadas, uma broa, café e boa prosa. Assim, os moradores redescobrem a si mesmos, suas raízes e a cultura popular. Por fim, a autora nos presenteia com a possibilidade da vida autêntica e coletiva, ainda que o redor diga o contrário.
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