Dias atrás, li um um texto do Marcos Piangers declarando que, ao dar tanto amor às filhas, estava claramente compensando a ausência do pai na vida dele. A ficha caiu na hora: no meu caso, ao dedicar tanta paixão à vida dos meus filhos, estou compensando a falta do afeto de minha mãe.
Nunca me faltou o básico. Material escolar, roupas simples, brinquedos, alguns. Mas afeto diário, aquele olhar compreensivo, um gesto de carinho físico, era pouco. Filho de uma mãe muito ocupada e de um pai que morava em outra casa, caçula e com dois adolescentes em casa, fui criado meio solto, meio livre – até demais.
Era amado, mas não mimado. Fazer meus temas, escolher minhas roupas, fazer compras no supermercado, ir sozinho ao centro da cidade: era tudo minha obrigação, sem ninguém atrás conferindo. Obrigação de uma criança de 7 anos. Tinha de me virar sozinho para praticamente tudo. E me virava.
Nesse cenário árido, um momento era mágico. A melhor parte do meu dia era a hora de ir para a cama. Eram os 15 minutos de paz e serenidade em que meu coração se enchia de energia e recebia sua dose diária de afeto. Era o momento em que minha mãe largava tudo e se dedicava apenas a mim e eu podia ser o que realmente era: apenas uma criança.
O afeto que trago na memória foi moldado nestes minutos diários antes de adormecer. Os problemas não entravam no meu quarto, a briga de pais separados não chegava perto da minha cama, as brigas com irmãos adolescentes não ganhavam eco nas páginas dos meus livrinhos.
Aqueles 15 minutos diários de contação de histórias eram o contato direto entre o meu coração e o de minha mãe. Éramos eu e ela, sentada na beira da cama, sem pressa, de livro em punho, voz rouca pelo cigarro, suave e doce pelas palavras. Esses eram meus 15 minutos de afeto. Pílulas aproveitadas até o momento de não resistir e pegar no sono. Infelizmente, esses momentos não duraram muito: “cresci” muito rápido e, como costumo dizer, era mais maduro aos 10 anos do que sou hoje aos 41.
Talvez, por tudo isso, até hoje considero o beijo de boa noite que dou nos meus filhos, o gesto de maior ternura que possa dedicar a eles.
Hoje, meus guris não dormem sem ouvir uma boa história. Aliás, desde a barriga escutam minha voz contando as mais diversas fábulas. Começamos com a história da “Cabra Cabrês”, inesquecível, com a voz doce do coelhinho assustado, a dicção infantil para “xenouras”. Sim, parecia um bobo, mas um bobo realizado. Lembro até hoje do cheiro da barriga da Luciana, esticada para acomodar aquele futuro leitorzinho, enquanto eu lia e esperava emocionado por um chute ou um sinal qualquer de que o meu Gianluca estava me escutando. Era o nosso momento.
Atualmente, o grande (da Cabra Cabrês) compartilha a leitura com a gente e temos nos dedicado aos livros da extensa e deliciosa lista da escola; o Stefano, o caçula, mais agitado, vai se animando a cada nova página e para fazê-lo dormir, lá pelas tantas trocamos a leitura pelas cantigas de ninar, e assim conseguimos relaxar aquela mente maluquete.
Enfim, quando vejo meu filhote, com quase 11 anos, ainda pedindo histórias antes de dormir, entendo que esse momento é mágico não só pra mim (que felizmente entrego afeto escrachado em vários momentos dos nossos dias), mas para todas as crianças que querem se conectar com o coração de seus pais e de suas mães. As histórias, a fantasia e os reinos encantados são pura desculpa para entregarmos o que há de melhor em nós: nosso amor.
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