Escrever um blog sobre paternidade faz parecer que você é um pai extraordinário e que a relação com seus filhos é impecável. Faz parecer que você nunca erra, apesar de se esforçar. E mais, que tem sempre a solução para todas as dificuldades de criar filhos.
Você não é desse tempo, mas há muitas décadas atrás, falava-se muito dos comerciais de margarina. O roteiro era sempre o mesmo: uma linda família branca (não havia negros na publicidade) feliz, exultante já no café da manhã. Filhos em completa harmonia, cabelos suavemente descabelados, a mãe pronta para um dia de atividades junto aos filhos e o pai, jovem e de sorriso estampado no rosto pronto para sair para o trabalho. Só de escrever esse parágrafo já me deu um nó no estômago. Esse era o cenário ideal da família brasileira através das décadas de 1980 e 1990. Eram as “famílias de comercial de margarina”, era a “vida de comercial de margarina”.
Hoje, todos evoluímos, inclusive a propaganda, e entenderam que ninguém se identificava com a farsa daqueles comerciais. Além disso, se descobriu que a margarina é um verdadeiro veneno.
Pois bem, e o que tem a ver o comercial de margarina com um blog sobre paternidade?
Tudo.
Um blog, mesmo quando dá a real sobre maternidade/paternidade, parece um mundo de comercial de margarina, de soluções super simples e viáveis. Quantas vezes, ao ler inspirados blogueiros, ficamos com a sensação de “por que eu não pensei nisso antes?”?
É aí que entra a minha experiência e a minha versão do “por que eu não pensei nisso antes?”.
Meu caçula, dizem, é muito parecido comigo. Tanto fisicamente quanto em temperamento. Dizem que veio muito temperado – para o bem e para o mal, o que, aliás, acho ótimo! Talvez por isso mesmo, Freud explica, tenhamos alguns atritos que não tinha com o mais velho, que herdou a serenidade da mãe.
Como o amor é o mesmo e é imenso, embarquei numa viagem longa para criar formas alternativas de estreitar nossa relação evitando esses atritos. Quem nunca, não é?
A lista de tentativas foi grande: de brincar de massinha só nós dois, a jogar cartinhas Pokémon, passear de bicicleta, assistir a filmes na Netflix, entre outros. Mas era só eu ganhar no jogo ou querer mudar de desenho que a crise chegava. Tentei racionalmente também, mas o diálogo estava difícil. A baixa tolerância do caçula à frustração estava latente e não tínhamos como negar. Em termos “técnicos”, como diz nossa querida pediatra, ele estava ficando “como o filho dos outros”, ou seja, não estava alcançando nossas expectativas.
Foi então, e agora sim você vai entender que valeu a pena ler até aqui, que uma atividade conseguiu acalmar as ansiedades do meninote e de lambuja transformou nossos momentos num verdadeiro comercial de margarina: com direito a um pai bonitão, paz e harmonia reinando.
Foi nos aconchegando bem pertinho (porque a grande verdade é que só rola quando estamos grudadinhos) e passando a ler para ele seus livros favoritos que fui revertendo esses atritos a nosso favor.
Ler para o outro gera uma rede de amor com teias permanentes. É muito louco, a gente se enreda e essa rede é a mesma que os liberta para uma infância mais criativa, mais segura, mais serena.
No fim, meu povo, tudo o que os filhos querem, tudo, tudinho mesmo, são seus pais por perto. E ler para seu filho, bem pertinho, é a única atividade que vai juntar vocês tanto, mas tanto, que quando você se der conta, não saberá mais definir quem está mais completo, você ou ele.
Foi num dia desses, enquanto folheávamos páginas e mais páginas de um livro infantil, que olhei para os lados e vi aquela cena de pura ternura, um Stefano entregue à história e aconchegado no meu colo. Na hora me perguntei: por que não pensei nisso antes?
Comerciais de margarina e blogs são o que são. O que nos salva são as ideias que tiramos deles.
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