Há um tempo, li um livro que citava a lição de uma tribo indígena chamada yequana, que habita a Venezuela e o Brasil. Até começar a engatinhar, o bebê yequana é levado pela mãe para toda parte. Seu único trabalho é observar o que se passa ao seu redor, dormir quando sente sono e comer quando tem fome. A mãe não precisa distraí-lo, ele a acompanha nas suas atividades da vida comunitária e aprende pela observação. Quando começa a engatinhar, o bebê fica livre para estar junto da mãe ou se afastar caso sinta vontade. Sempre que a criança pequena se sente cansada, com fome ou chateada ela volta para perto da mãe. A mãe a recebe e acolhe as suas necessidades. Assim que tem suas necessidades atendidas, a criança se solta da mãe e volta a explorar o ambiente ao seu redor.
Por que eu estou trazendo essa história? Porque quando falamos em carência e ausência, a sensação que tenho é que uma névoa de culpa cai sobre os ombros dos pais. É a famosa história dos pais ausentes.
Por que os filhos se tornam carentes?
Em busca de uma sociedade mais igualitária, a mulher foi atrás da sua liberdade e independência. Entramos no mercado de trabalho sem abrir mão das responsabilidades maternas. Então, muitas vezes, ficamos divididas entre ser mulher e ser mãe. Por isso, permitimos que a culpa nos consuma. Não ficamos tempo suficiente com nossos filhos, não ficamos tempo necessário no nosso trabalho. Quando estamos no trabalho, sentimos culpa por ficarmos tanto tempo longe dos filhos. Já, quando estamos com os filhos, pensamos nas coisas que ainda temos para fazer. Aí a culpa toma conta. Para compensar, damos aos nossos filhos inúmeras coisas que eles não precisam. Por isso, eles se tornam carentes.
Qual o tempo necessário para se passar com os filhos no dia?
Hoje em dia, muitas pessoas dizem que 15 minutos por dia é o suficiente para se passar com os filhos. Assim, para nos livrarmos da culpa, reservamos 15 minutos no final do nosso dia. Normalmente, quando já estamos cansadas e esgotadas. Embora, eu acredite firmemente que crianças necessitem da presença dos pais e que 15 minutos nas 24 horas do dia não representam praticamente nada, me agrada mais saber que aqueles 15 minutos serão verdadeiros. Muito mais verdadeiros do que, muitas vezes, as 4 horas que dedicamos sem estarmos presentes.
A carência emocional nas crianças existe…
A ausência que gera carência nas crianças não é apenas a física. É, principalmente, a emocional. Já experimentou a sensação de estar ao lado de alguém sem sentir que aquela pessoa verdadeiramente está ali? Eu já. É ruim. Essa é a sensação que as crianças experimentam quando percebem que seus pais não estão presentes como deveriam estar.
O que revela a nossa ausência?
A falta de paciência, os combinados não cumpridos, o não conhecimento sobre quem o filho é, do que gosta, o que faz ao longo do seu dia, quem é seu amigo preferido, qual sua comida predileta, o desenho que mais gosta de assistir e assim por diante. Certa vez, a professora do meu filho fez uma atividade com os pais da turma dele. Cada criança havia desenhado em uma folha a sua família. Os desenhos foram expostos anonimamente em uma parede. Cada mãe e pai deveria descobrir qual o desenho do seu filho. Índice de assertividade imediata? Menos de 60%. Isso diz muito sobre o quanto conhecemos nossos filhos. O quanto sabemos o que se passa na sua mente.
Quais as consequências disso?
Os pais ausentes podem gerar baixa autoestima, ansiedade, insegurança, desnutrição, problemas de obesidade, dentre tantas outras coisas. Por que as crianças indígenas não sofrem com isso? Porque as mães/pais estão emocionalmente disponíveis. Quando elas sentem medo, sabem que podem recorrer à figura materna ou paterna.
O que podemos fazer?
Na minha opinião, essa é a grande diferença cultural. Não são os 15 minutos por dia que você para e brinca com seu filho que encherão o tanque emocional dele. São as vezes que você olha para ele e sorri, sem julgamento no olhar. É quando você faz um leve toque no seu ombro e lhe lembra o quanto o ama. É quando você entende que ele tem necessidades e desejos diferentes dos seus e passa a incluir suas escolhas e gostos na rotina familiar. É quando você larga tudo o que está fazendo e escuta o que ele está te falando. É quando você lhe abraça e sente seu coração se unir com o seu, como se fossem apenas um.
Não, não são necessárias 4 ou 10 horas do dia para isso. São nos pequenos momentos que vocês compartilham, mas que, quase sempre, estamos tão distantes e preocupadas em dar conta de tudo o que temos para fazer. É fácil? Nem sempre! Mas é possível. A pior ausência que podemos provocar nos nossos filhos é aquela que não enxergamos.
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