Acordar as crianças, preparar o café da manhã, cuidar para que ele coma/tratar, dar banho, verificar os uniformes/roupas, negociar as escolhas do dia (se der sorte, vai aceitar de primeira e se vestir a tempo). Brincar, mediar discussões entre irmãos, brincar, cuidar do almoço, levar para a escola, banho, tarefa de casa, outra refeição, escovar os dentes, (como será que se escova quando ainda não há tantos dentes?), pesquisas na internet sobre receitas de sorvete de frutas sem açúcar e de como se escova a gengiva de bebê, catar brinquedos, lavar a roupa, pagar as contas, ver o que falta na despensa, pesquisar sobre escola, sobre como se faz divisão na vertical, pesquisar sobre desmame gentil, sobre fraldas ecológicas, sobre aquecimento global, o que é higiene do sono, sobre uso de telas, sobre a lista da escola se é só você que está exausta e beirando a explosão ou tem mais gente assim?
Quem tem filhos sabe – é muito trabalho! Mas é também muito mais.
“Quando nasce um bebê, nasce uma empreiteira.” Já nos disse, a escritora Cris Pàz no seu livro poema “Mãe” (ed. Miguilim). O livro é uma preciosidade e nos convida a mergulhos profundos em direção ao nosso próprio maternar. Mas, aproveitando a metáfora, fica aqui a pergunta: se uma “empreiteira” também carece de muitos investimentos e recursos para seguir seu funcionamento, por que uma mãe-empreiteira não precisaria? A metáfora deixa claro que uma mãe faz muita coisa, produz muito, afinal, um novo ser humano, mas se tanto ela faz, quem lhe dá retaguarda, sustento, proteção enquanto executa tamanho trabalho? Ou ainda mais preciso e justo seria perguntar – por que uma pessoa só acumularia tamanha função? Onde estariam os outros trabalhadores dessa empreiteira? Em outras palavras, como a comunidade dessa mulher cuida dela e de suas crias?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que cerca de uma a cada cinco mulheres terão pelo menos um episódio de transtorno mental na gravidez ou no primeiro ano de vida do bebê. Isso significa que mais de 20% delas podem estar, nesse momento, com sua saúde mental materna prejudicadaem sofrimento mental, com casos de transtornos de ansiedade, depressão,transtorno obsessivo compulsivo, passando por episódios de ideação suicida, automutilação, entre outros. A saúde mental materna é um assunto muito sério e deveria ser prioridade de políticas públicas e fazer parte do conjunto de cuidados que normalmente se tem com fetos e bebês, já que esse cuidado, ou a falta dele, tem impactos direto sobre eles também.
É consenso que a chegada de um filho muda completamente a rotina de uma família inteira, sobretudo das mães, primordialmente as cuidadoras primárias. E quando essa chegada é inesperada, ainda mais. Essa mudança brusca no cotidiano, no corpo, na mente, é por si só um fator de risco, além de possíveis transtornos mentais prévios à gravidez. Some-se a isso, na gestação, a turbulenta mudança hormonal na mulher e o fato de comumente, nesse momento, todos os cuidados e preocupações se voltarem para o desenvolvimento do feto ou para a criança, sendo a mãe relegada para último plano. O famoso “se der tempo” ou “depois eu cuido disso”.
Ao redor de uma futura mãe, uma mulher gestante ou tentante, normalmente há muita pressão, conselhos e julgamentos. Enquanto isso, no continente Africano, na filosofia Bacongo, há o seguinte provérbio: “uma criança no ventre da mãe, é preocupação da mãe, mas depois de nascida, é preocupação de todos.” Nessa filosofia, o cuidado com as crianças, portanto também das mães, é uma arte essencial para a vida em comunidade – é a Kindezi*.
Um cuidador é alguém que foi cuidado, portanto, pode exercer essa tarefa da melhor forma possível. Enquanto a criança cresce e se desenvolve, o cuidador se desenvolve a si mesmo. Mas tudo isso é feito em comunidade.
Se na África oriental, resiste a filosofia ancestral que ancora mães-crianças-comunidade na rede de cuidado, aqui no ocidente, nossas mulheres sofrem intensamente com as (o)pressões de uma vida pautada por individualismos. A carga de trabalho diária a que as mulheres são submetidas é algo de se admirar – e de se indignar. Sobretudo quando pensamos nos atravessamentos de raça, gênero e classe, sobretudo para as mães solo, quando a rede de apoio é muito reduzida ou inexistente, quando se vive em condições insalubres, quando se vive com medo da falta de feijão e excesso de perigos, onde o Estado falta, falta proteção.
Essa mesma mãe, tantas vezes largada às mínguas, é tida pela mesma sociedade como alvo de ataques e culpabilização ao menor sinal de aparente “erro”. Essa mesma mãe é normalmente conduzida a se isolar e invisibilizar em prol do bom andamento da casa, dos filhos e demais familiares. Incoerente, não é mesmo? Não deveríamos, enquanto comunidade, cuidar de quem cuida, se queremos tanto proteger nossas crianças? Como percebemos e nos comportamos diante de mulheres quando essas se tornam mães? O que poderíamos fazer para acolher e apoiar essas mulheres, de modo que não caiam no limbo do esquecimento após o nascimento dos filhos?
Aqui estão algumas ações e reflexões que podem ser tomadas no dia a dia, pensando não apenas no que as mulheres-mães podem fazer no campo individual, mas no que cada um de nós pode fazer para gerar alguma mudança nesse quadro de abandono e isolamento no qual (sobre)vivem muitas mães.
Como colaborar com a saúde mental materna?
Assim, afirmamos, por fim, que a saúde mental materna é tarefa de todas e todos nós! Confira e nos conte, o que mais poderia estar nessa lista? O que vocês já fazem e recomendariam?
Dicas para a rede de apoio materna:
• Você já escutou uma mãe / gestante / tentante hoje? Descobriu quais são os principais desafios emocionais que essas mães enfrentam no dia a dia? Essa escuta, por si só, já pode ser de grande alívio para ela. Pode ser que, dessa conversa, vocês encontrem formas de facilitar e favorecer seu bem-estar emocional de forma prática.
• Quem cuida de quem cuida? Como ser rede de apoio para mães? Aquela sua amiga que é mãe, você já a convidou para um encontro? Já ofereceu para ficar com as crianças para que ela possa ter um momento para si mesma? Já fez uma visita? Levou um prato ou um lanche para ela e as crias? Lavou uma louça na sua casa? Brincou com as crianças enquanto ela fazia outra coisa? Ofereceu para levar ou buscar as crianças na escola? Qualquer uma dessas atitudes pode ser o diferencial para um dia mais leve na vida dessa mãe.
• Se vocês ainda farão o parto, os papais e familiares podem cuidar da limpeza da casa, deixar marmitas prontas e congeladas para depois que mãe e bebê retornarem para a casa.
• Se você é o pai ou outro acompanhante da gestante no momento do parto, ou consultas com obstetra, cuide de ler e entender o plano de parto. Se ainda não tem, pesquise sobre o que é, auxilie a gestante a construir o dela. No dia do parto será seu papel garantir que esse documento seja seguido e respeitado pelos profissionais de saúde.
• Nunca dê conselhos sem que sejam pedidos pela gestante ou pela mãe. Entenda que cada pessoa vai encontrar e construir seu próprio jeito de maternar. Antes, se abra para a escuta atenta, se coloque como ouvinte, sem julgamentos.
• E as políticas públicas voltadas para mães e crianças na sua cidade? Já se atualizou sobre elas? Vagas em creches, centros materno-infantis, centros de saúde da mulher, entre outros, como andam por aí? Os políticos que você apoia tem propostas voltadas para os cuidados com a maternidade e infâncias? É nosso dever e direito, enquanto cidadãos, cobrar dos representantes do legislativo e executivo e não abrir mão de nossos direitos básicos, reprodutivos e de proteção à vida como saúde, educação, cultura e lazer.
Dicas para a sua saúde mental materna!
• Você pratica autocuidado na maternidade, ou todos os cuidados são apenas para o bebê? Saber se priorizar, dar atenção às suas próprias demandas e desejos, usar seu tempo com você mesma, cuidar da saúde, da alimentação, ter momentos agradáveis pode ser algo muito significativo até mesmo para sua relação com seu bebê. Então, ainda que faça por você, seu filho será beneficiado também.
• Já pensou em procurar um atendimento de psicoterapia? Com tantas mudanças acontecendo e outras tantas por vir, angústias e anseios, buscar um espaço de escuta e apoio profissional pode ser o diferencial para que tudo transcorra da melhor forma possível. Tornar-se mãe pode ser também um marco na vida em direção ao rompimento ou repetição de alguns ciclos nocivos, a psicoterapia pode ser um apoio importante nesse sentido.
• Seus medos, desejos, angústias, sentimentos, todos – são válidos! Eles merecem um espaço na rotina, merecem ouvidos e colo também. Se permita.
• Delegue – aprenda a delegar funções que não dependem só de você. Assim, se libere para viver o que for do seu desejo e necessidade. Os outros ao redor precisam entender e se adaptar a novas demandas, já que agora você é mãe, mas que é muitas outras também!
Carta aberta de uma mãe para outras 🫂❤️
Em tempo, alguns fatores que teriam um grande impacto na saúde mental materna como um todo.
O tema da saúde mental na materna é assunto já gasto, conhecido por todos nós, mas que normalmente tem poucos efeitos de fato na sociedade. Nós, mães, precisamos de cuidados, que venham em forma de ajuda com a rotina doméstica que nunca tem fim, de uma escuta atenta, de tempo de qualidade junto com outros adultos, de sermos convidadas para os mesmos eventos que costumávamos ir quando ainda não tínhamos filhos, mesmo que formos recusar sempre.
Precisamos de empresas e pessoas que nos contratem, precisamos de aumento salarial que dê conta das despesas, mas não apenas! Queremos mais políticas públicas que protejam nossas vidas e a de nossas crias. Que não legislem sobre nossos corpos sem a nossa voz. Precisamos de cursos e instituições que nos recebam e recebam também nossos filhos, quando não há quem cuide. Precisamos normalizar amamentar em público, crianças fazendo birras, voz alta e estridente de crianças, roupa amassada, roupa com mancha de leite, de morango, de massinha de modelar. Precisamos de melhores salários para nossas professoras e cuidadoras, mais vagas em escolas e creches. Precisamos de creches com mais livros, melhores estruturas. Precisamos de resiliência, flexibilidade, elasticidade e jogo de cintura de todos ao redor, e não apenas de nossa parte, boa vontade, vontade política, ações práticas. Menos flores de dia das mães e mais pias e chãos limpos, menos cobranças e violência e mais escuta e colo.
Quem sabe, cuidando das mães, não acabamos nos cuidados também?!
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