Temos mesmo que tratar de assuntos espinhosos e até polêmicos com as crianças? Eu sou sempre partidária de que é melhor encarar as dificuldades do que fugir delas. Porque elas estão aí, batendo à nossa porta diariamente, e uma hora ou outra vão aparecer. Como costuma dizer o professor e filósofo Mario Sergio Cortella em suas palestras, “Não sei se todo mundo sabe, mas preciso contar uma coisa pra vocês: a gente vai morrer”. A plateia sempre ri nervosa, porque, no fim das contas, essa é a única certeza que temos, certo?
Tá, tudo bem, também não precisamos ir a extremos… A literatura infantil é um prato cheio para apresentar para os pequenos temáticas a princípio complicadas, de uma maneira lúdica e não simplista, para que eles possam ter contato com o assunto e começar a refletir a respeito, sem preconceitos e sem reforçar os tabus que nós, adultos, acabamos impondo a eles.
Dentre os temas dos livros, estão, por exemplo, a situação de uma criança cujo pai foi afastado do convívio social e está preso. A autora Marina Miyazaki Araujo tem uma sensibilidade incrível para se colocar no lugar desse menino, que ama seu pai acima de tudo, e não entende esse papel no qual a sociedade o colocou. De uma maneira totalmente empática, vamos acompanhando as reflexões do garoto e percebemos como é difícil nos colocar no lugar do outro, vencendo as imposições culturais que recebemos de fora.
O livro, chamado Pai Francisco, já foi utilizado por uma equipe da Faculdade de Medicina da USP para preparar os alunos de um projeto social que sai de São Paulo e promove o atendimento em pequenas cidades carentes pelo Brasil afora, ajudando-os a desenvolver a empatia e entender o ponto de vista das pessoas que seriam atendidas, diferentes nos hábitos e costumes, mas igualmente humanas e dignas de cuidados.
Marina também é a autora de Dislexicando, uma divertida viagem pelo labirinto que é a cabeça de uma menina disléxica, que tenta entender o que é esse rótulo a que ela foi submetida e, ao mesmo tempo, conseguir se expressar. Escrito em “dislexiquês”, o livro incorpora vários erros normalmente cometidos pelos disléxicos justamente para que todos consigam se colocar no lugar da menina.
Também participa da mesa a autora Liliane Oraggio, do Min e o tudo de novo, um livro que fala sobre recomeços e sobre como nos reinventamos a cada momento, em função do que acontece em nossa vida: inclusive quando perdemos uma pessoa querida.
Raquel Matsushita, premiada designer e autora de livros cheios de bom humor, fala sobre as desavenças entre irmãos no livro da Jujuba Eu (não) gosto de você. E Aline Abreu, ilustradora e autora, também da Jujuba, levanta questões como separação e saudades em A menina amarrotada.
Os bons livros infantis – que trabalham tanto a linguagem como as ilustrações – são perfeitos para aproximar pais e filhos dessas questões. Alguns temas são difíceis de digerir, mas propondo a empatia e abrindo a cabeça é sempre mais fácil viver nesse mundo tão complicado…
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