O Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresenta vários graus, desde o mais leve até o mais severo, gerando uma série de sintomas que nem sempre são percebidos em todas as crianças. No entanto, alguns sintomas são mais comuns e persistentes. No caso do Bernardo, daquele bebê sorridente e tranquilo, não sobrou quase nada quando ele fez um ano e seu comportamento começou a mudar. Ele passou a ficar irrequieto, angustiado, extremamente excitado com algumas brincadeiras e, ao mesmo tempo, seu rosto ficou inexpressivo.
Um sorriso bastaria. Só queria que meu filho fosse feliz. Ele passou a ter uma expressão de “paisagem”, “inexpressiva”. Não sorria mais; seu olhar era ausente. Talvez por essa característica, os autistas pareçam “não sentir nada”, “não ter emoção”. Mas eles têm. Isso é fato. Embora, durante uma fase, meu filho tenha ficado com um rosto inexpressivo. Até para tirar fotos, sua fisionomia não se alterava. Ele não sorria. Ficava apático diante dos acontecimentos do dia a dia, fossem alegres ou tristes. Era muito triste de se ver; sofríamos muito com isso. Aos poucos, com o tratamento médico, o sorriso foi voltando ao seu rosto, assim como outras emoções, como a raiva, a tristeza, o contentamento, a seriedade.
A alimentação foi constante fonte de preocupação e de aborrecimentos. Além de recursar-se terminantemente a experimentar novos alimentos, passou a rejeitar também os que antes comia. Bernardo aceitava pouquíssimos alimentos, entre eles toddynho, danoninho, batata-frita, arroz, feijão e nuggets de frango. Eu tentava de todas as formas introduzir novos alimentos na sua dieta, mas não adiantava. Não havia chantagem que desse jeito. Cheguei a deixá-lo uma tarde inteira sem comer para ver se assim ele me obedecia. Contudo, ele preferiu pegar os cereais que haviam caído no chão do que comer. Para mim, a mania de só comer um tipo de alimento e a inevitável relutância em experimentar – seja alimentos, seja lugares, seja situações – uma das características mais marcantes e resistentes do autismo.
Esperar também era muito difícil para meu filho. Quando tinha de ir às consultas médicas, Bernardo queria entrar direto no consultório do médico, tentava abrir a porta à força, dava chutes. Eu tinha de intervir e explicar a ele que precisava esperar para ser atendimento. Ele não se acalmava. Andava de um lado para o outro da sala, pegava brinquedos dentro do baú, tirava um por um e brincava por um breve período de tempo. Logo se cansava e pegava um balde. Adorava brincar de se esconder. Botava o balde na cabeça para que eu brincasse de encontra-lo, tirando e colocando o balde na cabeça. Fazia isso vezes sem fim. Quando eu o achava, ele dava gargalhadas.
Outro sintoma do autismo era a fixação por metais. E não para brincar com eles, mas para colocá-los na boca ou lambê-los. Pegava garfos, facas, colheres e os lambia. Eu precisava ficar sempre atenta para que ele não se machucasse. Uma vez, estávamos almoçando na casa da minha tia e Bernardo sumiu. Procuramos por toda parte e não havia jeito de encontrá-lo. Nós o chamávamos, gritávamos, mas ele não respondia. Minutos depois, nós o encontramos escondido, lambendo o pé da mesa de jantar, que era de metal.
Ele tinha apenas dois anos. Praticamente um bebê. Eu não podia tirar os olhos dele por um segundo sequer. Ele era muito rápido, escolhia os objetos mais perigosos para brincar. Ele ficava fascinado pelos talheres da minha tia, sentava no chão da cozinha e atirava todos os garfos e facas no chão. Nossa preocupação era a de que ele se machucasse. Era uma luta tirar os talheres dele. Como minha tia era quem, sem hesitar, se encarregava de tirá-los, acondicionando-os na parte de cima do armário e impedindo que ele os pegasse novamente, era vítima de seus beliscões. Era até engraçado. Não era uma forte agressão, mas ele apertava o braço dela como a indicar quem mandava ali, olhando com cara feia pra ela.
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