O momento de ouvir um diagnóstico de deficiência, seja física ou mental, é difícil para qualquer pai. Cheia de incertezas e dúvidas, a família precisa compreender melhor as condições daquela criança e aprender a lidar com uma série de novas informações. É tempo de pesquisar sobre o assunto, conhecer pessoas com filhos parecidos aos seus e, acima de tudo, superar os preconceitos.
Outro ponto bastante importante é a luta pela inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. De acordo com dados do IBGE, quase 24% de pessoas no país são deficientes.
Recebendo a notícia
Ana Paula Tranche me recebe com um enorme sorriso no rosto e logo questiona: “Vou aparecer em alguma imagem? Se for, preciso colocar meu ‘uniforme’”, brinca. Ela se refere à camiseta da Associação de Deficientes Físicos de Poços de Caldas (Adefip), de onde é presidente voluntária há mais de 10 anos.
Em 2003, a bancária viu sua vida virar de cabeça para baixo quando deu à luz o segundo filho: Gustavo. A gravidez fora bastante desejada, especialmente pelo primogênito Caio. “Todos os dias, ele me dizia que queria um irmão, pedia por isso. Lembro de quando comecei a passar mal, me sentir estranha…Um dia, estávamos tomando café e ele disse: mamãe, isso é porque você engoliu meu irmãozinho e agora ele quer nascer. Comecei a pensar sobre e fiz o teste de gravidez, que deu positivo”, relembra.
A gestação ocorreu normalmente, até a vigésima semana. Os olhos verdes já deixam as lágrimas se acumular quando me conta sobre aquele fatídico 19 de janeiro de 2003. “Acordei me sentindo muito mal. Eu não aguentava nem levantar da cama. Fomos para o hospital, disseram que talvez fosse alguma intoxicação e voltei para casa. À noite, lembro de ter sentido uma fisgada, mas não senti dor, nem nada. Deitei e acordei de madrugada com hemorragia. Voltamos para o hospital”, narra. O parto foi por cesárea e ela lembra em detalhes: “Foi um silêncio total. Depois veio um gemido. E silêncio de novo. Os médicos começaram a correr. Até hoje sinto as mãos do médico tocando meu rosto: olha, eu sinto muito. Mas acho que não vai dar para o bebê”, conta.
Com paradas cardiorrespiratórias, Gustavo foi internado na UTI de outro hospital. O primeiro contato da mãe com o filho veio três dias depois. Com semblante de dor, ela confessa que chegou a se questionar. “Eu ia vê-lo pela primeira vez. Lembro de chegar em casa, deitar no sofá, perto da minha mãe e da minha sogra, e falar baixinho: eu não vou dar conta. As duas começaram a chorar e aquilo me desesperou. Foi quando percebi que eu tinha que ter forças”. O bebê ficou um longo tempo no hospital, até receber o diagnóstico: paralisia cerebral. “Ouvi que meu filho ia vegetar a vida inteira. É horrível, porque você recebe um diagnóstico de que não tem nada que possa ser feito, e você precisa fazer alguma coisa”.
Superando o diagnóstico da paralisia cerebral
Se receber uma notícia para a qual você não está preparado já é difícil, a fase de compreendê-la para que possa ser superada é ainda mais. Normalmente, pais idealizam o filho antes mesmo dele nascer: a aparência física que terá, a primeira escola, a casa cheia de amigos, as notas excelentes no vestibular e a independência e vida adulta. Tomar conhecimento de alguma deficiência, seja ainda durante a gravidez ou depois do parto, acaba com todas estas expectativas. “A partir do diagnóstico, os pais precisam começar a trabalhar na elaboração desse filho não perfeito. Essa criança que, provavelmente, vai ser muito diferente daquela que eles haviam planejado e na construção de quais perspectivas projetar nela. É um momento marcado por muitas dúvidas, incertezas. Muitos pais veem como uma situação de luto mesmo. Isso tudo vai ser um processo construído diariamente”, explica o psicólogo Júlio Alves.
Para pais que já têm outros filhos, a situação pode ser ainda mais complicada. Isso porque, segundo o profissional, é da natureza do ser humano fazer comparações. Sendo assim, querer relacionar os traços de desenvolvimento de duas crianças diferentes atrapalha no processo de superação de um diagnóstico difícil. Ele ainda afirma que “a criança com deficiência, mesmo que não apresente comunicação verbal, consegue compreender e interpretar aquilo que está sendo dito”.
Infelizmente, ainda não existe segredo ou receita mágica que ajude pais a lidar com os desafios diários de criar uma criança deficiente no Brasil. Mesmo vivendo num país onde quase 24% da população é deficiente (IBGE), a palavra inclusão ainda precisa ganhar significado real na sociedade. Embora tenhamos avançado em alguns aspectos, e existam legislações que protegem e apoiam pessoas nesta condição, o desconhecimento é grande, o que, muitas vezes, leva ao preconceito.
Buscar orientação profissional é um passo importante, mas Júlio ressalta que não terá tanto efeito se os próprios pais não tiverem o hábito de pesquisar sobre a deficiência dos seus filhos. “Informação nunca é demais. Estar informado é um processo muito importante no tratamento, no prognóstico daquela criança. E, apesar de tudo, eles nunca devem deixar de ver seus filhos como sujeitos de possibilidades. Tratam-se de indivíduos com limitações. Alguns mais limitados, outros menos, mas ainda são seres humanos que precisam de apoio para se desenvolverem”, pontua.
Preconceito e aceitação
Ser pai de uma criança diferente é, também, uma das melhores maneiras de aprender a confrontar seus próprios preconceitos e fortalecer vínculos familiares. Quando revive todas as emoções que sentiu ao receber o diagnóstico de Gustavo, Ana Paula se emociona ao falar o apoio incondicional que recebeu da família desde o início. “A gente se fortaleceu enquanto família, o que é muito importante. Porque, quando você recebe essa notícia, se você não tiver uma base familiar sólida, não dá conta. Você aprende a lidar com os preconceitos, seus e da sociedade. Acho que nosso primeiro instinto é proteger aquela criança de tudo e todos, mas isso acaba tirando o direito dela de ter e ser. Isso não pode nunca acontecer”, afirma.
Após a entrevista, ela me leva até o quarto do filho. Ligado a um tubo de oxigênio 24 horas por dia, Gustavo não frequenta mais a escola. Enquanto a mãe trabalha, fica aos cuidados da avó materna, que o mima até demais. A paralisia cerebral o deixou com pouca visão. A audição, no entanto, é aguçada e ele se diverte ao ouvir a voz da mãe.
Risonha, ela aproveita e me conta sobre as broncas que dá no filho quando ele, como qualquer outra criança, bem, agora adolescente (com 15 anos), faz birra para conseguir o que quer. Da cama que, assim como todo quarto, é adaptada para suas necessidades, Gustavo emite sons e parece concordar com o que está sendo dito. Ele também ri, o que percebo não só pelo som da risada, mas também pelo brilho nos olhos. Apesar das limitações e dificuldades, os esforços da família parecem ter sido compensados. Gustavo é, acima de tudo, uma pessoa feliz.