No Dia Mundial de Conscientização do Autismo, data cujo objetivo é aumentar a informação e diminuir os preconceitos contra as pessoas autistas, ouvir o que as famílias de crianças atípicas têm a dizer é, talvez, a maneira mais empática de entender um pouco mais sobre essa condição. Pensando nisso, acompanhe o texto abaixo e descubra o que as famílias de crianças atípicas não aguentam mais ouvir! 💬
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O que é o autismo?
O autismo é um transtorno do desenvolvimento de base genética, que acomete 1 a cada 44 pessoas no mundo. Mas, calma, não estamos vendo uma “epidemia de autismo”, como muito erroneamente se fala por aí.
De fato, embora a prevalência do autismo esteja aumentando a cada ano, isso reflete apenas um maior conhecimento e divulgação de informações sobre a condição, o que tende a colocar o assunto em evidência. O que, cá entre nós, é maravilhoso! Porque embora a gente não falasse tanto sobre o autismo antigamente, e não visse tantos diagnósticos, as pessoas autistas sempre existiram por aí. E eram completamente invisibilizadas.
Sistemático, chato, emburrado, infeliz, fresco, tímido, antissocial, grosso, sem noção, problemático. Era assim que conhecíamos as pessoas autistas na década de 90. Tanto pela dificuldade de comunicação, quanto pela presença do que chamamos de rigidez cognitiva, uma tendência a ter comportamentos repetitivos, ser metódico, detalhista e padronizado.
Embora não tivéssemos diagnósticos formais, os rótulos marcavam e acompanhavam a vida de crianças, adolescentes e adultos autistas. Que, para piorar, também não tinham acesso aos tratamentos adequados para proporcionar sua melhor adaptação social.
Nos últimos anos, começamos a olhar um pouco mais para o autismo, mas o preconceito tão enraizado socialmente ainda é maior que a compreensão sobre o transtorno. E, vira e mexe, ganha outros contornos ou roupagens, mas que carregam o mesmo desconhecimento que acaba prejudicando (e muito!) o bem-estar das pessoas e dos indivíduos autistas.
O que as famílias de crianças atípicas não aguentam mais ouvir
Meu nome é Poliana Martins, sou mestra e doutoranda em autismo e mãe de um pequeno autista, João, de cinco anos. E para ajudar todo mundo a se situar nessa data importante (e, quem sabe, errar menos), fiz uma listinha do que as famílias de crianças atípicas não aguentam mais ouvir em relação ao autismo. Confira:
1. Telas causam autismo!
Antigamente, se dizia que o autismo era causado pela falta de amor materno pela cria. Uma afirmação machista (afinal, pais não deveriam também amar seus filhos?) e ignorante, pois estamos diante de uma condição genética. Mas quando pensamos que havíamos superado a teoria da “mãe geladeira”, ela aparece novamente com outras formatações igualmente perversas e misóginas: autismo virtual, autismo de tetas, autismo de vacinas, autismo de alimentação.
No fim do dia, as mães não amaram suficientemente seus filhos e fizeram escolhas educacionais equivocadas, que desaguaram no autismo. Mães, sim, porque eu nunca ouvi um pai ser questionado sobre o número de horas de telas que suas crianças assistem. Autismo é genético a gente responde, sendo silenciadas até mesmo por grandes profissionais da área.
Telas não causam autismo, comidas não causam autismo, vacinas não causam autismo, via de parto não causa autismo, o lado da teta que o menino mama não causa autismo. Ter uma infância saudável, pouco exposta a telas e com alimentação equilibrada, vai contribuir no desenvolvimento do seu filho, seja ele autista ou não.
Mas ninguém “vira autista” por meio de educação, remédio ou comida, não se preocupem. E pelo amor de Jesus Cristo, vacinem seus filhos para diminuir a mortalidade infantil e erradicar doenças para as quais já temos vacinas.
2. Isso não é autismo, é falta de uns tapas!
Acreditem ou não, ainda tem gente que acredita que não existe autismo, mas sim criança que não foi educada com firmeza. Não vou nem entrar na discussão do quanto é imoral bater numa criança (e crime, vide Estatuto da Criança e do Adolescente), quando temos outras centenas de maneiras de ensinar e estabelecer limites.
Mas é uma peculiaridade do autismo que as crianças tenham crises comportamentais semelhantes às birras, que acontecem por variados motivos como: problemas de comunicação; dificuldade de esperar numa fila; sensibilidades sensoriais com ruídos, cheiros e excesso de pessoas; compreensão e seguimento de regras, entre outros.
As crianças autistas comumente são vistas caídas no chão de supermercados, parquinhos, escolas e, não raramente, são taxadas de sem limites. Compreender que o autismo é uma deficiência que atinge o comportamento humano vai nos tornar muito mais empáticos ao presenciar uma cena assim.
3. Eles são uns anjinhos, né?
Não. Eles não são demônios, nem anjos (embora o exemplar que eu recebi aqui em casa esteja mais pro lado de lá do que de cá). São pessoas com atipicidade no desenvolvimento, mas, sobretudo, seres humanos.
Têm sentimentos, sonhos, desejos e, inclusive, sexualidade, como todas as pessoas! Têm dificuldades em umas coisas e muita potencialidade em outras coisas. Assim como todo mundo! Diferentes, como todos nós.
Chamar pessoas com deficiência de anjos é desumanizá-las. Retirar seu lugar de errar e acertar, sua chance de pertencer ao comum, é capacitismo (preconceito contra pessoas com deficiência).
4. Mas ele não tem cara de autista!
Vou ter que concordar com essa! Realmente, nenhum autista tem cara de autista. Apenas porque autismo é uma deficiência neurológica que não gera sinais físicos. Autismo não tem cara e é uma deficiência invisível, como várias outras.
5. Eles vivem no mundinho deles!
Vamos combinar de parar de dividir o mundo entre “eles” e “nós”? Somos um todo de pessoas com diferenças múltiplas, ninguém é igual a ninguém, mas todo mundo quer fazer parte. Autistas gostam de brincar, socializar, ir nas festinhas dos colegas, como todos os demais.
Ter dificuldade social não significa não desejar socializar, mas ter problemas em conseguir alcançar essa interação. Nosso papel enquanto sociedade não é isolar ou gerar estereótipos, mas incluir e acolher as pessoas autistas.
6. Você é uma guerreira!
Guerreira é a Xena, eu sou sobrecarregada. Meu sonho era viver em uma sociedade que garantisse terapia pro meu filho pelo Sistema Único de Saúde (SUS); em que as escolas não negassem matrícula ou acessibilidade pro meu filho com deficiência; em que meu filho fosse respeitado com suas diferenças. Mas essa ainda não é a realidade.
Então, me resta lutar, muitas vezes sozinha, para proporcionar um mundo melhor pra minha criança. Mas guerreira é só a outra face de abandonada pelo Estado.
Essas não são as únicas, mas são as frases mais ditas em relação ao autismo, que acabam gerando mais preconceito em relação ao transtorno. Ninguém é igual a ninguém, somos todos diferentes, mas é no acolhimento que encontramos um caminho para todos.
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