Enquanto pais e mães, certamente já ouvimos (se ainda não, é muito provável que acontecerá) que “uma palmadinha não mata ninguém”, afinal, “eu apanhei e sobrevivi”. É uma herança de criação que carregamos, mas hoje, questiona-se: será que “sobreviver” significa que a criação foi realmente efetiva? E a que custo? A violência contra crianças é aceita em nossa sociedade e, mesmo com o esforço para combatê-la, há uma cultura que a sustenta e que precisa ser discutida.
As crianças são “impossíveis” ou são apenas crianças?
Nós, pais e mães, sabemos da singularidade de nossas crias. Sabemos de seus gostos, manias, interpretamos sua linguagem, seus gestos, sinais. No entanto, também sabemos que vivemos em uma sociedade onde há uma padronização da imagem das crianças como pessoas birrentas, chatas, rebeldes e desobedientes. Como se estivessem sempre dispostas a controlar tudo e todos em prol de suas vontades. O estereótipo da criança birrenta destrói toda a subjetividade de nossos filhos e os resume em “pequenos travessos”. Quando na verdade, são recém chegados em um mundo de regras e linguagens codificadas, e estão aprendendo a decifrá-los.
“Cadê a mãe dessa criança?”
Assim, por mais que saibamos da singularidade, vez ou outra somos cercados pelo “espectro da criança birrenta”, cuja culpa é dos pais que não souberam educar. Os olhares de fora são inquisidores e nunca consideram o contexto, o momento. Somos resumidos a esse momento de explosão de nossos filhos. Como se o mesmo só tivesse ocorrido por falta de instrução e fosse facilmente dissipado com um tapa.
Qual a mensagem que passamos aos filhos quando batemos neles?
É aí que entra a linguagem da violência como instrução e único caminho possível para “domar feras”. Agora imagine você mesmo, em uma situação que te deixou angustiado, onde você desabou em lágrimas. Então vem uma mão e te violenta, afirmando que sua dor não é válida o suficiente para um comportamento assim.
É o que acontece por conta do estereótipo da criança birrenta. Nosso filho deixa de ser considerado como um ser que sente e reage e é colocado dentro de uma imagem manipuladora. Por conta disso, muitas vezes evitamos frequentar determinados lugares e realizar atividades de que gostamos. Queremos evitar os momentos explosivos, e consequentemente, os olhares julgadores. É um processo violento com nossos filhos. Além de impedi-los de utilizar espaços, ainda autoriza atos violentos com a justificativa da educação. Como se não houvessem outros meios, como se fossem incapazes de darem conta da linguagem.
A violência contra crianças como forma de educação cria barreiras
Isso acontece justamente por não permitir a fala, o diálogo, a exposição de angústias, a possibilidade de a criança emergir como se sente, oportunizando o aprendizado de maneira construtiva. Violência é explosão, só demonstra descontrole. E diante de um pequeno que ainda não compreende o mundo, o exemplo do descontrole passa a ser encarado como um caminho para resolução de conflitos.
Tudo bem, sobrevivemos à palmadinha. Mas ela nos ensina a melhorar e buscar o melhor comportamento diante das situações, ou apenas nos faz viver para a evitar? E quando o medo da palmadinha não for mais real? O que garantirá que essa criança buscará comportamentos corretos, sendo que não será mais necessário evitá-la?
Por esse motivo, é preciso que o estereótipo da criança birrenta seja desfeito, possibilitando enxergar a criança como um ser de direitos, principalmente o do aprendizado. É pela via da acessibilidade que nossos filhos serão aceitos pelo mundo e verdadeiramente reconhecidos como o futuro, a quem se deve resguardar, e educar e educar-nos com amor.
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